Em cenas divulgadas em meados de fevereiro na novela “O Outro Lado do Paraíso”, a personagem Laura (Bella Piero) conseguiu relembrar, por meio de sessões de coach, dos abusos que sofria na infância do seu padrasto Vinícius (Flavio Tolezani). Esse acontecimento gerou muita polêmica, tanto que o Conselho Federal de Psicologia e Sociedade Latino Americana de Coaching publicou notas criticando a forma como a técnica foi utilizada.
Para entender melhor o trabalho de um coach, o Edição do Brasil conversou com Andrea Lages, diretora Global da International Coaching Community (ICC). Ela é a primeira brasileira a dar cursos para Certificação Internacional em Coaching, além de ser a única a participar como trainer e co-criadora de cursos de pós-graduação em Coaching Executivo para universidade europeias, como Derby University (Reino Unido) e ISCTE-IUL/INDEB Business School (Portugal).
Por que o uso do coach na novela não era o correto?
Para começar, não era coaching. Era uma ação de merchandising procurando promover uma empresa do segmento e, por não se atentar ao ofício em si, cometeu erros básicos e profundos.
O coach não aborda traumas, não faz hipnose e não acha que pode resolver ou descobrir questões mais profundas e internas de um ser humano. Da mesma forma, ele não está preparado para tratar problemas de saúde mental ou física – os profissionais de saúde é quem devem ser procurados para isso.
Se há uma coisa que dedico atenção especial nos treinamentos, para certificação em coaching, é ajudar os meus alunos a perceber e respeitar a linha que delimita o que nós fazemos (coaching) e o que não fazemos.
O coaching é uma ferramenta poderosa que existe para ajudar as pessoas a se tornarem melhores. Isso não pressupõe que podem solucionar qualquer questão ou problema, até porque ninguém pode fazer isso.
No caso do coaching, os resultados dependem exclusivamente do compromisso e ações que o cliente toma. O coach é um facilitador importante do processo e, em muitos casos, uma pessoa necessária. Algumas pessoas falam “todo mundo precisa” de um coach. Eu prefiro dizer “todo mundo merece” um coach.
Mas, então quais são as principais funções de um coach?
O coach ajuda o cliente a ser o melhor naquilo que se propõe. Ele não faz mágica, o simples fato de contratá-lo não te fará uma pessoa de sucesso. O êxito depende das atitudes que você tomar, conscientemente, em prol daquilo que deseja conquistar.
No processo de coaching, o coach ajuda a ter consciência daquilo que de fato importa e alinhar, não somente as suas metas, mas a maneira de conquistá-las aos seus valores pessoais.
Quais são as técnicas empregadas?
O coach precisa estar habilitado para realizar perguntas que são impulsionadoras ou “poderosas” para que o cliente encontre as suas próprias respostas e não somente descobrindo os valores que, de fato, nos motivam (os quais nem sempre são aqueles que sabemos e percebemos conscientemente), mas também questionando hábitos, sejam eles de pensamento ou de atitude, que nos colocaram e nos mantém na situação em que estamos, caso ela não seja a que queremos.
Precisamos ter um nível de presença, atenção e escuta extremamente elevados. Me permito dizer que essa é a parte mais desafiadora para a maioria dos profissionais que conheço.
O coach também apoia o cliente no estabelecimento e cumprimento de um plano de ação, consistente e congruente, em direção aos seus objetivos e a vida que quer ter.
Por que as pessoas têm a necessidade de um coach, principalmente na carreira?
Hoje em dia, não somente carreiras, mas empresas mudam muito rapidamente. Eu já tive corporações como clientes que, em um intervalo inferior a 5 anos, se tornaram três empresas diferentes (na mesma área de atuação, mas com nomes e identidades completamente independentes). Se isso ocorre com uma grande corporação, imagina o que acontece com os profissionais que se veem constantemente desafiados a provar a sua qualidade e valor.
Já foi o tempo em que profissionais conquistavam uma posição e se “acomodavam”. A partir do momento que se acomoda, começa a decair, em muitos casos, não somente profissionalmente. Temos que estar alertas e preparados a nos adaptar e mudar de maneira congruente.
Deixo claro que esse fato não tem que ser necessariamente estressante, embora muitas vezes seja. Tem que ser desafiador e motivante, e um coach pode ajudar nisso.
Por que essa técnica se popularizou tanto?
As pessoas viram uma oportunidade e potencial. Muita gente focou somente no potencial financeiro e de negócio, a maioria mudou apenas o nome comercial da empresa e de seus cartões de visita achando que isso é suficiente para se tornar um bom coach. Obviamente não é.
Qualquer profissional pode ser um coach?
Não. O coach precisa ser uma pessoa que tenha a capacidade, a aptidão e, principalmente, a humildade para poder se desenvolver, estudar, praticar e preparar para empregar essa técnica.
Ressalto a humildade, porque conheço centenas de profissionais que teriam potencial e currículo incríveis para se tornar um bom coach, mas por quererem brilhar mais do que seus clientes, jamais teriam sucesso, afinal temos que trabalhar nos bastidores.
A partir do momento em que a pessoa, coach, achar que seu nome tem que aparecer nas luzes da ribalta, ela jamais será uma boa profissional. Bons coaches são reconhecidos pelos seus clientes e não por anúncios pagos.