Patrícia Blois, 52, era assessora em 2000 quando percebeu uma mancha branca na lateral da língua. Não sentia dor, mas notou que ela crescia cada vez mais. Procurou médicos e o diagnóstico veio: carcinoma espinocelular, uma enfermidade que está incluída no chamado câncer de cabeça e pescoço. Para popularizar o assunto, a Sociedade Brasileira de Cirurgia de Cabeça e Pescoço (SBCCP) coordena a campanha Julho Verde, com objetivo conscientizar a população sobre autocuidado e atenção aos primeiros sinais para aumentar as chances de cura e amenizar as sequelas.
Christiana Vanni, médica cirurgiã de cabeça e pescoço e coordenadora da campanha, explica que este câncer engloba todas as lesões localizadas na região, exceto o cérebro. Isso inclui pele, órbita ocular, nariz, seios paranasais, orelha, boca (lábio, bochecha, gengiva, língua), faringe, laringe e o começo do esôfago.
Já os sintomas se diferenciam. “Normalmente, quando as ínguas e os tecidos linfáticos estão aumentados, formando nódulos, são doenças metastáticas (câncer que se espalha para outros órgãos) e muito mais comuns no pescoço. Na cabeça, pode ocorrer nas glândulas salivares laterais à orelha, mas é incomum. Na pele, são aquelas pintas e manchas avermelhadas ou que alteram de cor, tamanho, sobrelevada, ulcerada, que coçam ou sangram. Qualquer ferida, pinta ou mancha que mude de padrão ou que perdure por mais de 2 a 3 semanas são suspeitas e devem ser investigadas”, informa a especialista.
A rádio-oncologista Izabela Fernandes esclarece que os tipos de tratamento disponíveis são cirurgia, radioterapia e quimioterapia. “Depois da avaliação da extensão da doença, o médico vai discutir com o paciente e equipe quais são as melhores opções”, diz.
Duas décadas depois do diagnóstico, Patrícia conta viver bem, mas o processo foi duro: foram 26 cirurgias e radioterapia. “Tive dias de querer arrancar a língua. Muitas vezes, chorei para comer e tomar água. Mas, o pensamento de que amanhã é outro dia e tudo pode ser melhor me sustentou”, relembra.
Ela conta que fumou dos 15 aos 30 anos. “A mancha era exatamente do lado que fumava”. O tabagismo (de todos os tipos: cigarro, charuto, cachimbo, narguilé, corda, eletrônico, etc) é apontado como a principal causa da doença. Um levantamento do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) apontou que 95% dos pacientes que desenvolvem tumores de cabeça e pescoço têm histórico de fumantes. Desse total, 90% eram homens.
É o caso do gari aposentado Vitor Souza, 50, que apesar de não se considerar dependente, fumava na época. Diagnosticado com câncer de laringe em 2007, ele precisou realizar uma laringectomia, cirurgia que remove o órgão responsável pela voz. “A rouquidão foi um dos sintomas que me fez procurar um otorrino, após um exame foi encontrado alguns nódulos nas cordas vocais. Com uma lesão muito avançada, não tive a oportunidade de tratamento”, conta.
Como explica Izabela, o calor da fumaça tragada passa por vários órgãos da cabeça e do pescoço causando traumas. “A nicotina é inalada junto com mais de 6 mil substâncias resultantes da combustão. Ela participa da formação de vários tipos de tumores malignos em conjunto com mais 70 químicos cancerígenos existentes da fumaça do cigarro”.
Durante sua recuperação, Souza ficou 1 ano e 7 meses sem falar. Hoje, com a utilização de uma prótese traqueoesofágica, usa sua voz para conscientizar e acolher sobreviventes como ele à frente do Grupo de Acolhimento de Câncer de Cabeça e Pescoço. “Tenho uma nova realidade de comunicação. Adaptei-me bem com uma voz que consigo entender e acredito que me entendem. Mas, se eu tivesse as informações que o Julho Verde traz, eu teria alguma chance de não ser um laringectomizado”, acredita.
Próximo de completar 84 anos, o advogado aposentado João dos Santos também tem uma história de superação. Diagnosticado em 2015 com câncer nas cordas vocais, ele fala por meio de uma laringe eletrônica. “A recuperação foi longa porque tive fístulas de difícil cicatrização pelos efeitos da radioterapia. A opinião dos médicos é que foi devido ao tabagismo. Hoje tenho uma vida ativa com exercícios diários. Faço caminhada, abdominais, levantamento de halteres, com alimentação sadia e farta. Completei 5 anos da cirurgia e fui considerado curado”, comemora.
Além do fumo, exposição solar sem proteção, alcoolismo, sexo oral desprotegido devido ao contato com HPV (Papilomavírus Humano), traumas de repetição (como dentes quebrados que cutucam a mucosa ou hábitos de mordidas), próteses mal adaptadas e má higiene oral estão entre os fatores de risco. É válido destacar que, combinados, álcool e tabagismo potencializam em até 10 vezes a chance destes cânceres.
Christiana reforça que apesar de agressivo, a doença pode ser prevenida e curada. “Se você não fumar e não beber, não vai desenvolver. Também é fácil de ser identificado porque todo dia olhamos no espelho, escovamos os dentes e observamos o nosso rosto. O importante é buscar ajuda profissional, caso note algo diferente. Nos estágios iniciais, 1 e 2, a taxa de cura de sobrevida é de 90%. Nas fases 3 e 4, esse índice fica abaixo de 60%”.