A pandemia do novo coronavírus não acabou, mas já traz sérias consequências a inúmeros setores. Um deles é a educação que sofrerá sérios impactos. Apesar de ainda não existir dados oficiais mostrando o prejuízo causado pelo fechamento das escolas, instituições renomadas da área já calculam o que está por vir: a educação pode regredir até 4 anos no Brasil.
Os dados são da análise encomendada pela Fundação Lemann ao Centro de Aprendizagem em Avaliação e Resultados para o Brasil e a África Lusófona, vinculado à Fundação Getulio Vargas (FGV), e mostram que, neste período, os alunos deixaram de aprender mais matemática do que a língua portuguesa. A pesquisa ainda indica que os estudantes mais prejudicados são os do ensino fundamental.
O retrocesso na educação previsto no Brasil é muito maior que em outros países onde esse recuo não passa de um ano. Para entender mais sobre os impactos da COVID-19 na educação e as consequências que o retrocesso de 4 anos irá trazer para o país, conversamos com o diretor de Políticas Educacionais, Daniel de Bonis.
Por que o retrocesso na educação previsto no Brasil é muito maior que em outros países?
O Brasil é um dos países que está a mais tempo com suas escolas fechadas. Isso se deve ao descontrole da pandemia e à falta de coordenação entre os entes da Federação. As evidências internacionais mostram que o impacto desse isolamento é maior no aprendizado. É bom lembrar que nossos resultados educacionais já eram baixos, então esse agravamento tem consequências ainda mais agudas.
O estudo mostra que os mais prejudicados são os alunos do ensino fundamental. Por quê?
Os alunos mais velhos têm mais condições de estudar com autonomia e, de um modo geral, já desenvolveram habilidades como disciplina, organização e concentração, enquanto que os mais novos dependem mais da orientação direta do professor. Um exemplo é o processo de alfabetização, que é muito difícil de reproduzir num ambiente on-line.
Essa regressão mostra que o ensino remoto foi ineficaz no país?
O ensino remoto não tem como substituir a escola, mas ele foi importante para aliviar os prejuízos do fechamento delas para o aprendizado. Além disso, foi uma maneira de manter vivo o vínculo dos estudantes com o processo de ensino e aprendizagem, reduzindo os riscos de evasão. Contudo, sua efetividade é limitada, o que torna ainda mais urgente a reabertura das escolas, assim que as condições sanitárias permitirem.
Esse atraso deve externar ainda mais a desigualdade já presente nas salas de aula?
A desigualdade educacional é uma realidade no Brasil desde muito antes da pandemia. Infelizmente, a crise sanitária vem apenas aprofundando alguns aspectos, pois com as escolas fechadas nem todos os alunos terão conectividade em casa, dispositivos disponíveis ou apoio dos pais nas tarefas escolares. Este será um ponto fundamental para ser diagnosticado e enfrentado no momento de retorno das aulas presenciais.
Quais serão as consequências desse cenário caótico para a educação brasileira?
O atraso é grave porque interrompe uma série histórica em que os resultados do ensino fundamental no Brasil vinham melhorando, de forma lenta, mas constante. É importante, entretanto, lembrar que a experiência internacional mostra que é possível recuperar esse atraso, se o sistema educacional trabalhar com foco, planejamento e acesso aos recursos necessários. O coronavírus está agravando nossos problemas – baixa proficiência, alta evasão e inaceitável desigualdade -, mas eles não são novos. E quem sabe a crise atual seja a oportunidade que precisamos para encará-los e, finalmente, superá-los.