Desde que o mundo é mundo, o problema da violência, infelizmente, se faz presente na vida do homem. A Bíblia, escrituras dos cristãos, relata que o primeiro ato de violência foi realizado por Caim, que mata seu irmão Abel, praticando, portanto, um fratricídio.
As causas e os motivos para essa tendência violenta têm sido atribuídos a muitas variantes, dependendo da matriz conceitual em que se está a operar. Se for pela via da religião, a natureza pecaminosa do homem será apontada como causa. Se for pela vertente biologista, algo em torno da preservação da espécie, pela lei do mais forte. O fato é que o homem sempre usou da força para impor seus desejos, defender-se dos seus temores, ou demarcar o seu espaço.
Nos dias atuais, temos verificado aumento excessivo do uso da força por autoridades policiais dirigidas a pessoas afrodescendentes, o que, tem sido apontado como racismo.
Todo e qualquer tipo de violência praticada deveria nos causar indignação, diga-se, mas, quando ela vem por meio daqueles que deveriam proteger a população, o sentimento de repulsa cresce de forma catalisada, trazendo uma revolta, mesclada com o medo de que um dia, eu ou você, poderemos ser vítimas dessas atrocidades.
A pergunta que não quer calar, no entanto, é: o que leva uma pessoa, no exercício de sua função, agir com tamanha desmedida, a ponto de causar a morte de outra? O que está acontecendo com a humanidade que, apesar de todo o desenvolvimento intelectual, tecnológico, religioso, em que se multiplicam os discursos de não violência e necessidade de mais alteridade, presenciar cenas tão grotescas como essas?
Certamente, no que diz respeito ao ser humano, não há resposta simples ou fácil, haja vista a multiplicidade de teorias existentes que tentam explicar a humanidade.
A violência pode ser intencional, embora, nem sempre, consciente, pois pode ser desencadeada por fatores internos, de outra ordem, como o pré-conceito. Algo do mundo interno se manifesta naquele momento, que foge ao “controle” da razão, imperando o domínio dos impulsos que, na maioria das vezes, descarrega o pior que temos dentro de nós.
Ao analisarmos a etimologia da palavra violência observamos que sua origem é ligada à palavra latina “violentia”, cujo significado é de veemência, impetuosidade, guardando relação com “violare”- violação. Neste sentido. O ato violento é aquele que exagera na proporção, ultrapassa os limites, tanto da lei quanto da moral. Ele ocorre quando as fronteiras do permitido são ultrapassadas.
No caso do abuso da força policial – partindo do pressuposto que os militares são “treinados” a ter controle da situação -, é estranho pensar neste excesso, nesta violação, que além de atravessar o limite da humanidade, inverte os valores, de modo que aquele que deveria proteger é quem pratica e realiza a violência.
Pensando nas problemáticas raciais que, infelizmente, persistem em permanecer entre nós, o estranhamento é ainda maior. O racismo (que poderia ser melhor traduzido por etinismo, considerando que todos somos da raça humana) é a discriminação, nem sempre consciente, baseado no conceito (ou pré-conceito) de que existem diferentes raças, sendo que uma é melhor que a outra. Conquanto haja diferença entres as pessoas, estas não significam, de modo nenhum, inferioridade.
Historicamente, contudo, essa diferença, quer na cor da pele, na origem das pessoas ou na sua condição financeira, tem sido uma realidade que subjaz nas relações humanas. Ela carece de fundamentação científica, filosófica, religiosa e de qualquer outra ordem. Nada justifica discriminar uma pessoa pelo simples fato de possuir uma tonalidade de pele mais ou menos escura, ter uma deficiência física ou psicológica, ser deste ou daquele credo, ser tratada de forma diferente das demais, como se o fato de ser “diferente” do outro, justifique tal tratamento.
Coisas da humanidade! Humanidade diz respeito ao conjunto de seres humanos. Sua origem é apontada ao termo latino “humanus”, aquilo que é relativo ao homem (“húmus” – terra, contrastando aos seres divinos).
A humanidade deveria ser aquilo que nos aproxima, nos faz iguais e, por isso, solidários. Contudo, não tem sido isso que presenciamos. O que tem sido característico da raça humana é o desencontro. A diversidade já não tem beleza e, consequentemente, a unidade se perde, visto que esta só se realiza na diversidade.
Como raça humana, não conseguimos alinhar os passos, pensamento e corações a ponto de eliminar do nosso meio essa chaga mortal que é a violência. A religião, a política, a filosofia e ideologias diversas em vez de minimizá-la, fizeram brotar ainda mais rancor, ódio e desencontro. Nós, seres humanos, precisamos, no entanto, ter esperança e muita paciência.
Quem sabe um dia, seremos capazes de controlar esse tigre que temos dentro de nós, apaziguando o monstro da violência e acreditando que a paz que excede todo entendimento, brote, dando frutos que alimentem a humanidade e restaure o verdadeiro sentido da existência.
*Wagno Alves Bragança
Mestre em Educação
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