A volta dos campeonatos de futebol está acontecendo em todo o Brasil por eximia pressão dos cartolas, especialmente no eixo Rio São Paulo, onde os grandes clubes movimentam milhões de reais, envolvendo uma cadeia incomensurável de negócios, incluindo patrocinadores, transações financeiras por ocasião da venda de jogadores, profissionais da área técnica, contratação de estádios para as aludidas partidas, entre outras coisas relacionadas ao certame. Mas esse retorno gradual dos eventos esportivos está sem graça. Serão partidas sem torcedores, sendo que em muitos casos não haverá sequer a transmissão pela televisão aberta. Isso por si só já é um problema, visto que nem todas as pessoas, sobretudo, a população mais humilde, dispõem de condições de assistir ao espetáculo através de canais pagos, ou ainda, por meio de outros acessos pela internet.
Ao perdurar este estilo do “novo normal”, inclusive para o mundo dos desportistas e torcedores, pode se imaginar a possibilidade de hábitos contemporâneos nesta arena. Não está longe a probabilidade do afastamento das grandes multidões no estádio nos dias de realização dos jogos. Pode ser que o coronavírus resulte em uma plateia mais comedida, sem a paixão tão comum de outrora, aquela coisa arrebatadora, exagerada, mas bonito de se assistir. É essa empolgação capaz de manter os times em evidência, por conta de pessoas que se engajavam em torcidas organizadas, participando de todas as promoções de seus clubes do coração, independentemente de suas respectivas posições nos campeonatos, seja nacional ou regional.
O lamentável de tudo isso é que se os times de futebol estão autorizados a voltar as suas atividades, o mesmo não está ocorrendo com outros setores da sociedade. As escolas continuam sem aulas, o comércio e os clubes de lazer também marcam cem dias de fechamento. Então, teria de haver mais equilíbrio das autoridades ao analisar essas demandas do ponto de vista de envolver pessoas e aglomerações.
Para além desta realidade, em Minas Gerais há ainda uma disputa velada entre as determinações do governo do Estado e a Federação Mineira de Futebol, envolvendo alguns parceiros importantes. Enquanto grandes times estão autorizados a realizar os treinos, como é o caso de América Atlético, o Cruzeiro entrou na fila para buscar autorização da prefeitura da capital, visando conseguir também o intento. No interior estado, os prefeitos adoram fazer charme e, ao serem procurados pelos clubes para que sejam permitidas as atividades, naturalmente cumprindo as orientações das autoridades de saúde, há sempre um questionamento por parte dos chefes do Executivo, tendo como escopo a vontade de conquistar mais um pouco de fama, como se a COVID-19 fosse um espaço de mídia, reservado a homens públicos sem a devida consciência de que estamos vivendo um período de extrema dificuldade, com perdas de vidas e um isolamento social sem igual em toda história recente da humanidade.
É hora dos políticos e administradores abandonarem a vaidade e buscar atender os anseios da sociedade, respeitando os protocolos impostos pela ciência, sem perder de vista a situação dramática da atualidade. Deixemos para depois os louros, os holofotes e o reconhecimento formal de suas decisões acertadas, se é que elas existem ou existirão, mas no momento, tudo deve ser feito com parcimônia, sem arrogância, em nome de ajudar a combater essa crise sanitária, um desassossego em nossa vida.