O processo de adoção no Brasil enfrenta diversos entraves e dificulta que milhares de crianças e adolescentes possam conviver com uma nova família. De acordo com dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o número de meninos e meninas habilitados para adoção é de 5.088. Já a quantidade de interessados em adotar chega ao patamar de 36.477. Essa é uma situação que vem se repetindo há anos.
No entanto, existem 34.058 crianças e adolescentes acolhidos em abrigos e sem um destino certo. Eles aguardam a decisão se retornarão às suas famílias ou se irão para adoção. Enquanto isso, podem não ter ou perder a chance de encontrar uma nova família. Para entender os motivos da longa espera e os maiores problemas no processo de adoção, o Edição do Brasil conversou com Silvana do Monte Moreira, advogada e presidente da Comissão de Adoção do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).
Por que a espera pela adoção é tão longa?
Temos dois fatores: o primeiro é a morosidade do Poder Judiciário em julgar os procedimentos de destituição do poder familiar. Isso significa que as crianças ficam um tempo em acolhimento enquanto os seus responsáveis estão sendo processados. Isso acontece por diversas razões como abandono, negligência, abuso, entre outros. Por esse motivo, temos uma grande diferença entre o número de acolhidos e o de crianças e adolescentes aptos a serem adotados.
O segundo fator é que, geralmente, a maioria que está devidamente cadastrada para adoção faz parte de um grupo de irmãos, com crianças de mais idade ou algum tipo de patologia ou deficiência. E isso está distante do perfil buscado pelos habilitados. Os processos de adoção são demorados e a fila nunca termina.
Quais as maiores barreiras no sistema?
Volto a falar na questão da morosidade do Poder Judiciário. O procedimento de habilitação para adoção, previsto no art. 197-B do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), passa por análise dos documentos, estudo social e psicológico, além de cursos preparatórios, geralmente feitos em parceria com Grupos de Apoio à Adoção (GAA). Porém, existem comarcas que nem o realizam e também não procuram fazer convênio gratuito com os GAA. Sendo assim, muitas pessoas levam anos para conseguirem se habilitar, sendo que o prazo definido para o processo é de 120 dias. Não tem razão para atrapalhar ainda mais a vida de quem quer dar uma família a uma criança.
Vale ressaltar que no meio dos pretendentes existe uma pequena parcela que almeja uma adoção necessária, ou seja, busca grupos de irmãos ou aquelas com deficiência. Recentemente, tivemos 6 casais querendo uma criança cm síndrome de Down. Essas pessoas estão sofrendo com essa demora do Judiciário em julgar os processos.
Outra questão é que não estão cumprindo o Provimento nº 36 do CNJ, que estabelece as regras que os tribunais devem adotar, como contratação de psicólogos, assistentes sociais e pedagogos. Cada comarca com 100 mil habitantes deve ter varas com competência exclusiva em infância e juventude. E isso não tem acontecido.
Como seria possível mudar esse cenário de institucionalizados?
O IBDFAM, por meio da Comissão de Adoção, tem um projeto chamado “Crianças Invisíveis” que tem o objetivo de buscar dados da realidade de meninos e meninas que estão em acolhimento institucional e familiar. São pessoas que não tem voz, mas que precisam sair da invisibilidade e serem vistas e ouvidas pela sociedade. São milhares de crianças esquecidas em abrigos sem que os milhares de pretendentes aptos à adoção tenham acesso a elas. A gente cobra que haja mais celeridade nos processos para que tenham direito de retornar as suas famílias de origem ou possam ingressar no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento.
Qual o perfil mais procurado pelas famílias?
Antigamente, as pessoas buscavam bebê branco, sexo feminino e sem patologia nenhuma. Hoje, tivemos uma mudança nesse perfil e muitos pretendentes cadastrados procuram por uma criança saudável de até 7 anos. O que ainda persiste é esse limite de idade. A partir dos 8 anos, quando já estão na escola formal, as pessoas começam a acreditar que existe algum problema por contas delas estarem na fase de aprendizado e alfabetização. Também vale lembrar que as crianças em acolhimento não são infratoras, não queimam colchão e nem fazem rebelião. Elas só estão nessa condição porque são vítimas da sociedade.
Há um período de convívio com a família antes da adoção?
Tem sim. A Vara de Infância vai comunicar que existe uma criança com o perfil compatível ao indicado pelo adotante. Se houver interesse, os dois serão apresentados. O primeiro contato para conhecimento é feito em uma visitação pública, com a presença de todas as crianças do abrigo. Nessa fase, os pretendentes poderão analisar se o menino ou menina atende as características solicitadas. Em caso positivo, deve informar à vara que deseja continuar o chamado “estágio de convivência”. No segundo encontro há uma aproximação maior e passeios com a família podem ser feitos. É um período para verificar se a criança se adapta ao adotante e vice-versa. Um engano que acontece muito é achar que o menino ou menina também não tem um perfil de pai e mãe na cabeça.
O que os responsáveis devem refletir antes de prosseguir com a adoção?
Eles precisam conversar se realmente querem exercer a parentalidade. Os dois tem que estar cientes da decisão, ter maturidade e compartilhar do mesmo pensamento. Vale lembrar que a criança adotada não supre lacuna de filho não gerado, nem mesmo nos casos de falecimento. Ela não é garantia de companhia para o resto da vida, não retoma relação e nem salva casamento de ninguém. Eles também devem saber que um filho adotivo não é uma parentalidade de segunda categoria. Os direitos e deveres, assim como o amor e o cuidado, são os mesmos.
A mulher que adota tem direito à licença- -maternidade? E no caso dos homens?
Ela tem direito a licença-maternidade e isso está previsto no art. 392 Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Porém, a gente ainda tem empresas negando o benefício alegando limitação de idade do adotado, quando, na verdade, isso não existe. O INSS também tem rejeitado os pedidos por falta de conhecimento da lei. Essa licença vai de 0 a 17 anos, 11 meses e 29 dias. Quanto mais velha a criança maior a necessidade da mãe e do pai presentes para que o exercício da parentalidade seja fortalecido. Esse direito começa a vale a partir da guarda provisória para fins de adoção. O homem também tem direito a licença básica de 5 dias. Se onde ele trabalha faz parte do programa “Empresa Cidadã”, o prazo passa a ser de 20 dias. No caso de casais homoafetivos, um dos dois fica de licença.
O tema poderia ser mais discutido no Brasil?
A questão tem sido bastante difundida e discutida nos últimos anos. No passado, as pessoas preferiam esconder que o filho ou filha havia sido adotado. Hoje, elas estão mais empoderadas e têm orgulho de falar que adotaram. Infelizmente, ainda existem muitos que acreditam que a criança não pode saber nunca do fato, mas eles devem sim saber disso a todo o momento. O que não pode acontecer é esperar chegar aos 7 anos para revelar que o menino ou menina foi adotado.
Como fica o registro da criança ou adolescente adotado?
Depois que o processo é completado, o adotado assume a condição de filho, podendo inclusive obter uma nova certidão de nascimento, com os sobrenomes dos pais adotivos. O registro original de nascimento com a indicação dos responsáveis biológicos é cancelado. Também é possível alterar o prenome. Por exemplo, a Maria ganhou uma nova família e passa a se chamar Ana Maria. Essa é uma medida recomendada até mesmo para manter a segurança e dificultar a localização da criança.