Você já passou por uma prateleira ou navegava pela internet quando teve a atenção fisgada por um título que prometia a receita de como torná-lo milionário? Ou segue aquele influencer digital que jura que fez R$ 1 mil virar R$ 1 milhão? O segredo, normalmente, é um só: empreender uma ideia. Não há dúvidas sobre as potências do empreendedorismo, mas, antes de apostar tudo num sonho, é preciso saber diferenciar discursos superficiais e marketing pessoal de ações práticas para tirar um conceito do papel. Para isso, o Edição do Brasil, conversou com o mentor por trás do perfil @StartupDaReal e autor do livro “Este livro não vai te deixar rico”.
A ideia do seu livro veio da sua experiência em empreender?
Tudo surgiu com os textos que eu já produzia sobre mitos do empreendedorismo. Grande parte deles já eram os mais lidos da plataforma Medium e tinham um grande engajamento. É impossível desvincular uma obra das vivência que o autor passou. Muito do que vivi está presente nas linhas do livro, mas tento não me embasar só na minha experiência. Todas as afirmações são justificadas com estatísticas, estudos e artigos científicos. É vital que o autor não leve sua bagagem pessoal como bússola para suas afirmações. Esse é, inclusive, um vício dos discursos de empreendedorismo que ataco no livro.
Por que você não revela sua identidade?
No começo, não existia nenhuma intenção de manter o anonimato. A ideia surgiu quando começaram algumas tentativas de ataques pessoais para rebater argumentações feitas pelo Twitter. Desde então optei pelo princípio de manter o anonimato como forma de preservar a discussão, focando sempre na validade dos argumentos e não atacando quem está fazendo a argumentação.
Seu título brinca com alguns best-sellers que prometem deixar as pessoas milionárias comprando um livro de R$ 19,90. O que esses autores não contam?
A maioria deles usa uma simples receita: uma história de superação, normalmente pessoal ou de um grupo de pessoas influentes. Depois uma descrição de ações que essas pessoas tomaram para sair de uma situação ruim e alcançarem sua fortuna. E assim, basta dizer que, se funcionou para eles, vai funcionar para você também. Toda essa visão vem de uma redução comum, transportando para o indivíduo a impressão de poder muito maior do que ele tem. Sejam hábitos positivos, mentalidade ou estratégias, esses livros ignoram que a realidade da maioria das pessoas é muito diferente. Pior ainda, negam que toda estrutura do mundo possui uma força muito maior na vida dos indivíduos que sua própria vontade.
Você pode citar exemplos de como realidades distintas afetam esse caminho na hora de empreender?
Alguém que nasceu pobre, por exemplo, pode levar, estatisticamente, em média 9 gerações para chegar na classe média. E isso não é uma questão de força de vontade e visão empreendedora ou mindset, é um grave problema estrutural. Falta de acesso à educação, cultura, experiências, oportunidades de trabalho e tecnologia. Até mesmo a vida de um jovem pobre que, por meio de bolsa, estuda na mesma escola particular que uma criança rica, é extremamente desigual em oportunidades. Quando o jovem rico sai da escola, a mãe busca de carro, leva para almoçar, aula de inglês e treino de futebol. Neste meio tempo, o pobre gasta pelo menos 2 horas de ônibus para chega em casa e, normalmente, ajudar a mãe, cuidando da limpeza, dos irmãos e da comida.
No livro, você cita o “lado sujo do marketing no empreendedorismo fitness”. O que é isso?
A mesma estratégia que descrevi acima é repetida no mundo fitness. Normalmente, alguém com barriga tanquinho, braços definidos e um belo sorriso vende a mensagem que é sempre de “funcionou comigo, é só seguir que funciona com você também”. Novamente, ignorando toda individualidade e milhões de variáveis que fazem pessoas terem corpos diferentes. Essa comunicação é usada para vender livros, cursos, consultorias e suplementos.
O que o leitor precisa saber para não ser enganado quando o assunto for ganhar dinheiro?
Existem dois princípios que devem ser norteadores quando consumimos conteúdo sobre estes assuntos. O primeiro é que a realidade individual não pode ser ampliada como regra geral para o mundo. O que funcionou para mim, dificilmente, vai funcionar para os outros. É mais fácil que uma pessoa seja uma exceção do que uma regra. A segunda é saber identificar o viés de confirmação. Somos apresentados o tempo todo aos cases de sucesso e pessoas que “deram certo”. Dificilmente somos expostos aos que deram errado, faliram e perderam tudo. Mesmo o segundo sendo a regra geral. Essa exposição exagerada ao positivo nos faz acreditar que tudo é mais fácil do que parece, porque todos exemplos que conhecemos funcionaram.
Quais são os meios mais recentes de como charlatões estão enganando pessoas?
As redes sociais potencializaram o alcance dos charlatões. Hoje qualquer pessoa com um cartão de crédito pode criar um anúncio e aparecer para centenas de milhares de pessoas. O que pode ser positivo para negócios legítimos, mas que é extremamente prejudicial quando falamos de charlatões. Um truque comum são as redes de pessoas vendendo influência. Um grupo se marca e segue criando uma câmara de eco, atribuindo autoridade entre eles mesmos, mas que a pessoa que acabou de chegar não é capaz de reconhecer. Aí, basta fazer alguma promessa exagerada, posar na frente de uma piscina ou dentro de um carro importado. Isso tem sido feito para vender desde livros que são apenas cópias de textos da internet, até aplicações em criptomoedas, em que o responsável desaparece com o dinheiro dos investidores.
Como essas mentiras prejudicam aqueles que querem empreender?
A primeira é a clara exposição aos farsantes vendendo produtos que não possuem valor algum. A segunda é a disseminação de crenças falsas sobre a realidade do mundo dos negócios, fazendo pessoas investirem dinheiro de poupança, FGTS e venderem bens importantes para assumir riscos que desconhecem. Muita gente acaba vendendo tudo para tentar empreender achando que “não tem como dar errado”. Mas a verdade é que dar errado é o resultado comum. Os impactos disso na vida de quem arrisca são enormes. Desde conflitos familiares e problemas financeiros, até mesmo casos de suicídios de gente que não soube lidar com o resultado.
O que o empreendedor iniciante precisa saber para começar?
O objetivo do livro não é desencorajar, mesmo que esse seja um efeito colateral inevitável para quem aborda o empreendedorismo com otimismo exagerado. A única intenção é alertar para os riscos e dificuldades, ajudando que as pessoas decididas a enfrentar essas jornadas tenham consciência de onde estão entrando. O que o empreendedor iniciante precisa saber é que ele deve agir com extrema cautela e medir os riscos com frieza. A paixão pela ideia ou negócio só são bonitos até o primeiro real começar a sair do bolso, depois disso é colocar todos os números em perspectivas e testar bem cada passo antes de fazer apostas maiores.