A tão esperada vacina contra a COVID-19 trouxe esperança e alívio aos brasileiros. No entanto, a demora e questões políticas envolvendo a compra do imunizante, assim como denúncias de fura-fila e desconfiança sobre a eficácia e segurança, também tem tirado o sono das pessoas. A vacinação começou oficialmente no Brasil no dia 17 de janeiro. Até o fechamento desta edição, o país havia imunizado 7,1 milhões de cidadãos com pelo menos uma dose, correspondendo a 3,36% da população nacional.
O número pode até parecer alto, mas o ritmo está a passos lentos. Enquanto isso, o Brasil vive o pior momento desde o início da pandemia, batendo recorde diário de mortes. Com o crescimento no número de casos e óbitos, assistimos o colapso na saúde púbica, culminando com a falta de leitos e até de oxigênio nos hospitais. Para falar sobre esse assunto, o Edição do Brasil conversou com Mônica Levi, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
Qual é o maior desafio atual para imunizar a população?
O primeiro é ter a vacina disponível. Nós estamos com um quantitativo incompatível com o tamanho da população brasileira, uma vez que elas estão sendo importadas aos poucos. Agora temos dois laboratórios que estão começando a produção: Fiocruz e o Instituto Butantan. Porém, ainda dependemos do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA), um componente usado na fabricação, que vem do exterior. Esse insumo é da China e fundamental para continuarmos o envasamento. No segundo semestre, vamos ter a confecção integral desses imunizantes. Acontece que estamos no pior momento da crise sanitária e deveríamos estar vacinando rapidamente as pessoas. A compra de vacinas é imprescindível, bem como o produto pronto para aplicação imediata.
Essa demora traz que consequências?
O principal é a piora da situação que estamos vivenciando. Os casos estão aumentando, óbitos que poderiam ser evitados se a população estivesse sendo imunizada. Isso só vai prolongando a pandemia. As únicas ferramentas que temos para reverter o quadro é lockdown e a vacinação em massa. Nessa velocidade atual na qual imunizamos os grupos de risco de morte pela doença na sua forma grave, estamos apenas dando uma proteção a esses indivíduos. Mas isso não reflete na melhora do cenário epidemiológico no país, porque não é um número suficiente que permita diminuir a circulação do vírus.
Por que tanta gente tem medo de tomar a vacina?
Historicamente, o brasileiro acredita na eficácia do produto e a maior parte deseja se vacinar contra a COVID-19. Mas nós somos bombardeados o tempo todo por fake news que geram insegurança, medo e tabus. A pandemia trouxe uma enorme quantidade de informações falsas circulando na rede sobre o imunizante, mas nenhuma delas possui qualquer embasamento. Muitos ainda acreditam em tratamento precoce, quando, na verdade, já foi descartada essa possibilidade. Outro fator é que as pessoas pensam que a vacina não é segura. Apesar da urgência e aprovação em tempo recorde, ela passou por todos os processos e fases de liberação pelos órgãos regulatórios do mundo todo.
Os imunizantes disponíveis no Brasil protegem igualmente?
Não é possível fazer uma comparação. Atualmente, temos duas vacinas disponíveis: Oxford/AstraZeneca, em parceria com a Fiocruz, e CoronaVac, do Instituto Butantan. Esta última gerou polêmica ao anunciar uma eficácia geral de 50,38% para qualquer forma de COVID. Vale ressaltar que esse resultado significa que as pessoas têm menos chances de adoecer, mas, mesmo se acontecer, será uma forma menos grave e sem a necessidade de internação e até mesmo chegar a óbito. Ela também tem 78% de eficácia na prevenção para casos leves, com sintomas e sem internação.
Essa foi uma vacina testada em profissionais da linha de frente. Por essa razão, não podemos comparar com a da Oxford/AstraZeneca que foi analisada em idosos e pessoas que ficaram em isolamento sem tanta exposição ao vírus. As circunstâncias das duas são diferentes e não existe uma pior ou melhor do que a outra. O fato importante é que não houve internação e morte entre os vacinados.
As vacinas possuem validade?
Essa é uma pergunta que vale milhões. Nós conhecemos pouco sobre a COVID-19 e não sabemos qual a duração dos anticorpos de quem já se infectou. Por isso, a recomendação é vacinar até mesmo aqueles que já tiveram a doença. Existem estudos mostrando entre 5 a 8 meses, mas ainda carecem de um maior aprofundamento. As vacinas são novas e começaram a ser aplicadas há poucos meses. O tempo que vai durar os anticorpos gerados pelo imunizante é questão de vigilância e acompanhamento da população vacinada. Se pudermos proteger as pessoas das formas graves, das internações, evitar mortes e ocupação de leitos de UTIs, podemos sair desse colapso na saúde.
E são eficazes contra as variantes do vírus?
Esse é um agravante que também necessita de mais pesquisa. Análises com as variantes do Reino Unido e da África do Sul, essa última muito parecida com a nossa, apontaram que as vacinas têm uma resposta de anticorpos reduzida. Só que a proteção contra a doença é mais complexa. Estamos falando de estudos in vitro, onde o plasma do convalescente ou vacinado é pego e colocado com o vírus para ver a neutralização que acontece.
No entanto, isso não quer dizer que reflita na proteção real, pois a imunidade contra a COVID não depende apenas dos anticorpos. Existe a chamada imunidade nata, que são as barreiras de defesa que todo mundo tem e independe de qual é o agente. Também temos a imunidade celular, que não são medidas pelos testes de anticorpos. Será preciso ver na vida real se as pessoas estão adoecendo porque a vacina não funcionou.
Em quanto tempo será possível perceber queda no número de infectados e mortes?
Veremos isso acontecer quando tivermos um percentual elevado de pessoas vacinadas. Israel, por exemplo, tem 51% da população imunizada com a primeira dose e 36% com as duas. Eles já possuem dados mostrando redução de internações e mortes. Essa percepção não depende apenas da vacinação. Os cidadãos precisam cumprir as medidas de isolamento e distanciamento social, evitar as aglomerações, assim como manter o uso de máscaras o tempo todo e o hábito de higienização das mãos com água e sabão ou álcool em gel. Isso até alcançarmos a chamada imunidade de rebanho, quando o vírus perde força e não consegue se multiplicar, devido a grande quantidade de pessoas imunizadas e com anticorpos. A gente precisa vacinar pelo menos cerca de 60% a 70% dos brasileiros para conseguirmos reduzir a transmissão.