Home > Opinião > “Nova mineração está voltada em transformar rejeitos em coprodutos para construção civil”

“Nova mineração está voltada em transformar rejeitos em coprodutos para construção civil”

Foi em busca de ouro e pedras preciosas que os bandeirantes chegaram, no século XVI, ao estado que conhecemos como Minas Gerais. De lá para cá, a mineração ganhou proporções gigantes. Segundo o levantamento do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), a atividade está presente em mais de 250 municípios do estado; das dez maiores cidades mineradoras, sete estão em Minas; 67% das minas classe A (produção superior a 3 milhões toneladas por ano) estão por aqui.

Assim como os números de produção do setor impressionam, as tragédias causadas por ele também. Em 3 anos, o estado sofreu 2 catástrofes, perdeu 265 pessoas (246 em Brumadinho e 19 em Bento Rodrigues) e ainda procura por 24. O meio ambiente, que não havia sido recuperado, recebeu o equivalente a 125 campos de futebol de lama, segundo a ONG Fundo Mundial para a Natureza (WWF-Brasil).

Com todas essas falhas, o setor e a indústria investem na “nova mineração”, mas o que é isso? Para tentar responder essa questão, o Edição do Brasil conversou com Roberto Galery, chefe do Departamento de Engenharia de Minas da Universidade Federal de Minas Gerais (Demin-UFMG).

Ao longo dos anos, as mineradoras mudaram a forma de minerar?

Se formos pensar na mineração em Minas Gerais é preciso focar no minério de ferro. E esse segmento mudou um pouco. Antigamente, a gente tinha jazidas de alto teor, como as minas de Águas Claras e Itabira, em que basicamente se fragmentava, classificava e vendia o minério. Eles foram exaurindo e já não existem mais. As jazidas que temos são de minério hematítico e itabiríticos, que possuem baixo teor. O processo de concentração entra muito na maneira de beneficiamento desses minerais e isso produz uma quantidade razoável de rejeitos. Antigamente, havia minério com 60%, 50% de teor, hoje, trabalhamos com a faixa de 47% e a tendência é que isso diminua ainda mais, gerando maiores quantidade de rejeitos. Há dados que dizem que de 2010 a 2030, vamos fabricar, aproximadamente, 11 bilhões de toneladas de rejeitos e a maior parte disso é depositada em barragens. Essa é a tecnologia que predominou nos últimos 10 anos.

O que é a chamada nova mineração? 

A nova mineração está muito voltada para o tratamento do rejeito e como utilizar o que estão chamando de resíduos em coprodutos. Eles podem ser usados como agregados na construção civil. Esse rejeito está sendo estudado e vem resultando em blocos de tijolos, concreto, etc. O volume é muito grande, precisamos estar em contínuo desenvolvimento para novas aplicações dele. Além de analisar a viabilidade econômica na transformação desse material da mineração em coprodutos.

Qual é a forma mais segura de lidar com rejeitos?

A tendência do mundo é caminhar para o processamento a úmido, mas posteriormente, aplicar a separação sólido-líquido. Ele será espessado, filtrado e depositado a seco em um processo de empilhamento. Ele não tem problema de instabilidade que uma barragem tem. Se for depositado em algum local específico, pode-se transformar numa fonte eterna de produção de coprodutos.

As mineradoras brasileiras estão preparadas e dispostas a implantar essas novas tecnologias?

Acho que todas elas estão estudando essas novas tecnologias e algumas já empregam, a CSN e a Minerita são exemplos. A própria Vale aplica em algumas situações. Acredito que em 5 anos, esse processo já será uma realidade.

Você acredita que essa mudança partirá das próprias mineradoras?

O que já temos em relação à legislação ambiental é que as barragens a montante não são aprovadas mais. Portanto, vai partir para o processo de beneficiamento a seco que, economicamente, é um pouco mais perverso. Serão duas direções, a das leis ambientais e das próprias mineradoras.

Se essa nova mineração evita os riscos de rompimentos de barragens, por que ela só foi falada após as tragédias?

A mineração tem seu tempo. Houve um boom entre 2000 e 2014, com o preço do minério de ferro muito alto e isso gerou desenvolvimento de grandes projetos. Antigamente, a tonelada era vendida a US$ 29. Estamos começando a atingir o patamar de 2014, com o preço do minério a US$ 100 a tonelada. Com esse preço, ele pode pagar muitos processos, como por exemplo, o de secagem dos rejeitos e eliminar as barragens.

Qual o papel da universidade pública nessa nova mineração?

Em Pedro Leopoldo, nós temos um laboratório de gel tecnologia sustentável. Estamos com uma série de pesquisas voltadas para essa etapa de transformar o rejeito da mineração em coprodutos para serem utilizados na construção civil. Temos desenvolvido linhas de géis polímeros para gerar tipos especiais de pisos e asfaltos drenantes, esse material pode servir como calçamento nas cidades e rodovias. Drenando a água de chuva, ela realimenta os lençóis freáticos, ao ser absorvida no próprio local, o que evita enchentes nos rios.

Essas novas tecnologias vão conseguir gerar empregos?

Sempre que se aplica alguma sanção ambiental são gerados empregos. O pessoal vai estudar processos para minimizar o problema que a mineração está causando e isso movimenta uma grande equipe. Por exemplo, ao desenvolver produtos para serem agregados na construção civil, você gera um nicho grande de pequenas empresas que vão fabricá-los e ficarão no entorno produzindo.

Como lidar com as barragens já existentes?

Ao longos dos anos, essas barragens que não estão em operação precisam ser controladas e descomissionadas, ou seja, retirar todo o material dentro dela. Depois, é feito a separação sólido-líquido para eliminar a água daquele material e depositá-la a seco. Isso gera uma pilha de minério em outros locais e o espaço em que existia a barragem é reintegrado à natureza. Se ele era um vale, você vai reimplantar as encostas. Em alguns casos, transformam o local em um espaço de acesso ao público. Um exemplo disso é o Parque das Mangabeiras que, antigamente, era mineração e tinha uma barragem de rejeitos. Esse processo leva um tempo razoável, de 5 a 10 anos, porque a empresa ficou minerando ali 20 anos e o volume de material é grande.