No início do mês o caso de uma mulher, 24, que foi presa após espancar e matar a filha de cinco anos, em Itapetininga (SP), revoltou o país. Débora Rolim é mãe de outras duas crianças, porém, depois do nascimento de Emanuelly – a vítima do filicídio -, foi acometida por um quadro de depressão pós-parto e, por isso, perdeu a guarda da criança. Na época, ela entrou na Justiça e, posteriormente, comprovou que tinha condição de cuidar da filha, conseguindo recuperar o direito sobre a menina.
Mas será que a depressão pós-parto é grave a ponto de a mãe ter de ser afastada do filho? Poderia o problema deixar consequências na relação? Para entender um pouco sobre o tema, o Edição do Brasil conversou com o psiquiatra, especialista em psicologia social, Sérgio Lima.
O caso de em Itapetininga ganhou repercussão nacional. Em 2012, Débora Rolim havia perdido a guarda da criança, após um quadro de depressão pós-parto. Qual o sentimento de uma mãe que sofre de depressão sobre o filho?
A mãe pode em muitos casos ficar violenta com a criança, porém é necessário entender que se trata de um quadro psicótico onde ela não compreende bem a realidade. Isso mostra a gravidade da depressão pós-parto. Em situações como essa é preciso internar a paciente, pois ela pode querer agredir a criança e, no pior dos casos, matar. Muitas vezes, isso acontece porque ela acredita que terceiros querem fazer isso. Falta racionalidade.
Estando ou não com o problema, como explicar quando uma mãe mata o filho? É possível que ela não ame sua criança?
Há certa idealização de amor da sociedade e a mãe é um protótipo disso. No caso da depressão pós-parto não é que a mãe não ame o filho, é que ela está perturbada emocionalmente. A manifestação dela será agressiva, mas não significa que falta sentimento. Algumas mães que têm o problema já procuraram ajuda por terem um sentimento de culpa muito grande. Ela entende que a criança é parte do seu corpo e a ataca por um desejo de atacar a si mesma.
É muito perigosa essa leitura de que a mãe não ama. Na depressão pós-parto, ela não responde por si. Já na sociedade como um todo existem mães negligenciadoras, narcisistas e que não entendem a esfera do cuidado. Acaba que essa função é desviada aos avós ou outras pessoas, porque é necessário muita dedicação para criá-lo. É preciso uma entrega da pessoa a condição ao qual ela própria criou.
Mas, afinal o que é a depressão pós-parto?
É um estado depressivo associado a gravidez. Há um aumento de hormônios para manter a gestação e, se a mulher não tiver uma produção elevada, acaba perdendo o feto. Após o nascimento, esse ciclo de produção acaba e, com isso, a pessoa tem uma alteração rápida hormonal, o que pode torná-la suscetível ao problema, principalmente aquelas que já são, geneticamente, vulneráveis a quadros depressivos.
O que pode causar esse quadro?
A questão da mãe viver situações estressantes durante a gestação e também quando a mulher não vive em um ambiente familiar protetor. Alguns antropólogos apontam para o fato de que, hoje, muitas mães ficam desamparadas. Na história, sempre houve quem cuidasse da mulher, era um ciclo, um resguardo e todo um preparo antes do nascimento da criança. Isso facilitava essa adaptação à nova realidade, mas, com o passar do tempo, esse ritual foi deixando de acontecer. Isso acaba expondo a mulher a depressão.
A depressão pode ser voltada a apenas um filho? Ou a mãe será acometida em todas as gestações?
Uma mãe com depressão pós-parto e que vive em um ambiente agressivo e sem suporte social provavelmente continuará na mesma situação se engravidar de novo. As chances vão aumentar de uma gravidez a outra.
Como tratar o problema?
Frequentemente com uma internação e medicações para melhorar o quadro. Associado a isso, às vezes, algumas medicações antipsicóticas. É diferente de uma depressão comum na qual é indicado antidepressivo e remédios para acalmar. Nesse caso o tratamento é feito com um antipsicótico, medicações usadas em problemas como esquizofrenia a fim de que a pessoa volte a realidade. Essas ações são feitas para a proteção do bebê e da própria mãe.
Que consequências a depressão pós-parto pode gerar consequências na relação mãe e filho?
Apesar de o bebê não ter percepções claras do que está acontecendo, acredita-se que o sofrimento, negatividade e rejeição da mãe são absorvidos de alguma forma por ele. No futuro isso pode gerar um quadro de depressão na criança, além de problemas emocionais em geral. Por isso é importante que o diagnóstico e tratamento sejam feitos de maneira rápida, a fim de que o período sintomático seja o menor possível.
Alerta
“Os sintomas psiquiátricos são na esfera do comportamento e a sociedade tende a analisá-los como preguiça e coisas do gênero. O discurso de que uma mãe, acometida com a depressão pós-parto, ‘precisa de um tanque de roupa para lavar’ precisa acabar. Boa parte da população ainda vai sofrer algum quadro psiquiátrico”.