Sem cerimônias, de antemão, é assustador imaginarmos que uma intervenção ordenada pelo presidente da República e liderada por um general de Exército volte a acontecer. É a primeira vez desde a redemocratização do país, após a ditadura militar.
A intervenção federal é um instrumento previsto no artigo 34 da nossa Constituição para situações extraordinárias. O que deixa claro que, esta medida não se presta a situações ordinárias, do dia a dia, como infelizmente ocorre no Rio de Janeiro.
O interventor, neste caso, é o belo-horizontino, general de Exército, Walter Souza Braga Netto, que tem todos os poderes inerentes ao governador do Rio de Janeiro, Pezão (MDB), no que diz respeito a segurança pública, determinados pelo artigo 145 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro. O general se reportará, única e exclusivamente ao presidente Temer. A ele estarão subordinadas as polícias militar, civil, corpo de bombeiros, além de todo o sistema carcerário.
Assusta, ainda mais, saber que Temer, atual MDB – antigo PMDB – mais antigo MDB – é, nada mais, nada menos, que uma herança, um dos filhos feios, da outrora tão temida ditadura militar…
O fato dele, presidente Michel Temer, decretar intervenção federal sem ser precedida do imprescindível planejamento da inteligência para a investigação e posterior operação, num momento político/econômico/jurídico tão delicado como este que está passando nosso país, nos permite imaginar que tudo isso é, no mínimo, objeto de mera ação populista e, visivelmente, carente de intenções de resultados efetivos. Resultados que trouxessem salvação para o povo do Rio de Janeiro e, não somente, salvação para a inédita impopularidade do maior mandatário do país e para o povo ao seu redor.
O propósito de Temer em privatizar a segurança pública é notório e antigo. Em 2008, na Operação Satiagraha, a Polícia Federal recapturou e-mails de 2002 – quando o PMDB de Temer apoiava a campanha tucana encabeçada por José Serra – entre o lobista Roberto Figueiredo do Amaral e interlocutores do PSDB de FHC e Aécio e o PMDB de Sarney e Temer, além do advogado José Yunes. Roberto Figueiredo era consultor de Daniel Dantas, dono do Banco Opportunity (posteriormente preso por corrupção) e, atendia, também, aos interesses da empreiteira Andrade Gutierrez.
Em síntese, os e-mails comprovaram que a proposta de governo da campanha tucana de Serra para criação de um Ministério da Segurança Pública veio do próprio Temer, deputado federal na ocasião e, a julgar pelos destinatários, a proposta era fundamentada em interesses econômicos nefastos, não de se estranhar, pelas privatizações realizadas no atual governo, esse Governo Temer que tanto tem lesado o povo brasileiro.
Ocorre que, esse mesmo Governo Temer vem, desde o ano passado, tentando aprovar no Congresso Nacional a Reforma da Previdência, ou melhor, a privatização da previdência. As dificuldades de uma composição política para essa aprovação são notórias e, por consequência, a possibilidade de êxito cada vez mais distante.
Para não sofrer essa derrota que seria aplaudida de pé pela sociedade e faria até mesmo a base do governo respirar aliviada pela não necessidade em se comprometer ainda mais com o desmonte dos direitos dos cidadãos, o governo “identifica a necessidade urgentíssima e inédita que é a falta de segurança no Estado do Rio de Janeiro, necessitando assim a determinação de intervenção federal”.
Fato é que três fatores vem “oportunamente” a calhar: primeiro, o Estado de “intervenção federal” impede qualquer alteração na Constituição, incluindo a tal reforma da previdência, uma vez que, essa mudança nas regras da previdência, só seria possível por meio de uma PEC (Projeto de Emenda a Constituição). Justificativa mais que plausível para o Governo Temer não sair fragorosamente derrotado no ringue do Congresso; Segundo e não menos importante: a intervenção militar no Estado do Rio de Janeiro, atende a crescente onda da “mão pesada” de significativa parte do eleitorado com posicionamento político mais tendente à direita e, em terceiro, e também não menos importante, Temer pagaria aquela conta de 16 anos atrás de privatizar a segurança publica, o que justifica o esforço para criar o Ministério da Segurança Pública por meio de um projeto de lei em regime de urgência. Ou seja, Temer mataria, não dois, mas ineditamente, três coelhos numa cajadada só.
Os fatos assustam. Assustam, ainda mais, as dúvidas que imperam: o custo e as consequências desse ato raro e caro foram medidos? São oportunos? Se o Rio de Janeiro, há tempo, sofre com o exponencial crescimento do crime organizado e acumula recordes de mortes de civis e policiais, porque descuidaram tanto e deixaram a policia despreparada, sucateada e desonrada? A qual interesse atende essa ação, logo no Estado que tem a maior repercussão midiática internacional? Ao Brasil, o que seria melhor? Essa intervenção no Rio de Janeiro ou a interdição de quem a pariu?