É notável, no Brasil de hoje, uma contradição inédita: enquanto as contas do governo vão de mal a pior, os setores produtivo e financeiro vêm apresentando um desempenho que, mesmo sem ser entusiasmante, vem, aos poucos, reagindo e dando sinais nítidos de retomada. Não tenho conhecimento de nada parecido nos últimos 50 ou 60 anos, quando as várias crises decorrentes de sucessivos e cumulativos déficits públicos foram, invariavelmente, acompanhadas por períodos de recessão econômica, com quedas nas bolsas, inflação alta e freios no consumo.
Se pensarmos bem, no entanto, essa aparente incoerência tem como explicação dois fatores. Primeiro, o fato de o mundo corporativo ter conseguido se descolar da política e do governo, depois de um período, no ano passado, em que ainda persistiam, por inércia, os desmandos da gestão Dilma Rousseff (PT), que levaram para o buraco as finanças governamentais, os indicadores econômicos e a própria iniciativa privada. E, segundo, porque o governo Temer (PMDB), em que pesem suas traquinices políticas, achou por bem não interferir nos negócios do setor privado, que, assim, pôde avançar sem grandes turbulências.
Esse mérito, sem dúvida, deve ser creditado à equipe econômica e, em especial, ao Ministério da Fazenda que, mesmo sujeito aos efeitos da instabilidade política, vem obtendo resultados dignos de nota na gestão do ambiente macroeconômico. A inflação, por exemplo, segundo dados apresentados na edição de 10 de agosto da “Carta de Conjuntura” do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), está inteiramente sob controle, com um Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) anualizado de 2,7% – metade do índice registrado em janeiro deste ano. Também a taxa de câmbio, excetuados alguns momentos de tensão no mercado, vem se mantendo estável, entre R$ 3,39 em 18 de maio (dia seguinte à fatídica noite de 17 de maio) e R$ 3,16 na quarta-feira passada. Neste mesmo dia, a taxa Selic estava em 9,25% e, segundo previsões do Banco Central, deverá fechar o ano em 8%. O índice Bovespa, que vem crescendo com regularidade desde meados de junho, chegou, no último dia 16, a 68 mil pontos. E o desemprego, depois de atingir seu pico no fim do primeiro semestre, começa a recuar.
Cabe ressaltar, neste contexto, o protagonismo que o ministro Henrique Meirelles vem, pouco a pouco, assumindo. Além dos habituais encontros com empresários dos setores produtivo e financeiro, têm sido cada vez mais frequentes e desembaraçadas suas visitas a deputados e senadores para tratar das reformas estruturais em curso no Congresso. O que se pode deduzir disto é que obteve um sinal verde dentro do governo. E, quem sabe, talvez esteja construindo uma possível candidatura em 2018.
A gestão política, ao contrário, cada vez mais se mete em enrascadas. Refém de parlamentares desde o “episódio JBS” e seus desdobramentos, o presidente Temer está pagando um preço político muito alto por ter se livrado, na Câmara, da acusação de corrupção passiva feita pela Procuradoria Geral da República, que pode, inclusive, enfraquecê-lo como governante no restante de seu mandato. E há que se contabilizar também o preço da sua sobrevivência no cargo, aí em termos puramente financeiros, na forma de emendas e outros agrados, e o que vai custar o tal “Fundo Especial de Financiamento da Democracia”. Além disso, há novos dispêndios no horizonte: muitos parlamentares já convertidos para a necessidade de aprovação das reformas, especialmente da Previdenciária, voltaram atrás. Será preciso começar tudo outra vez e é duvidoso que as mudanças pretendidas aconteçam este ano.
E como não sei de nada, mas desconfio de muita coisa, acredito que o aumento da meta do déficit fiscal para R$ 159 bilhões (alguns congressistas pretendiam que fossem R$ 189 bilhões) e as sucessivas e malfadadas tentativas de aumentar impostos têm, lá no fundo, razões políticas tão ou mais importantes que as financeiras. Tomara que tantas traquinices não contaminem a economia. Mas, convenhamos, o risco existe.
*Engenheiro, vice-presidente da Federaminas, presidente do Conselho do Instituto Sustentar e presidente da Federação de Conventions & Visitors Bureau de Minas Gerais