O modelo de família tradicional é aquele cujo alicerce é formado por pai e mãe. Mas, de acordo com o último censo do IBGE, em nossa sociedade, existem 19 tipos de laços de parentescos. Dentre eles, há mães ou pais solteiros, netos com avós, pais divorciados que se casam novamente e moram com os filhos do antigo casamento, além dos casais homoafetivos que possuem filhos adotados ou gerados por processos de produção assistida. Ao todo, a formação clássica representa 49,9% dos domicílios e outros tipos de família já somam 50,1%, tratando-se da maioria. Se é assim, por que o assunto ainda é pouco tratado?
O estudante Igor Vinicius Silva foi criado apenas por sua mãe. Em datas como o Dia dos Pais, ele não tinha quem homenagear. “Eu lembro que a gente fazia danças e teatros, mas a escola não deixava as mães entrar, então a minha me deixava lá e me buscava depois. Lembro-me de sempre ser questionado sobre a presença dele e de todas às vezes inventar uma desculpa. Não queria ser o único sem pai ali”.
Ele recorda que o assunto nunca foi tratado entre os alunos. “Acho que a escola poderia ter conversado mais sobre isso, ou simplesmente aberto exceções para crianças que, assim como eu, só tinha a mãe ou só o pai nas apresentações e demais atividades. Talvez isso amenizasse a sensação que eu sempre tive de ser excluído e diferente”.
A psicóloga Luisa Conrado aponta que é importante explicar para a criança o motivo da família dela ser diferente do tradicional. “Isso faz parte da sua história de vida e, consequentemente, de quem ela é. Não é certo se sentir mal sobre isso. A criança pode pensar que é menos merecedora, que tem alguma coisa de errada com ela e se sentir até mesmo culpada”.
Ela acrescenta que é importante conscientizar todas as crianças acerca do tema. “Existem muitas famílias não tradicionais que cumprem o papel de forma digna. É importante que elas saibam desde pequenas que um lar não será constituído, necessariamente, por homem e mulher, mas que o importante é que, quem exerça o papel de pai e mãe, faça isso da melhor forma”, conclui.
Para a coordenadora do ensino fundamental 2 do Colégio ICJ, Junia de Albuquerque, este é um assunto que, de fato, precisa ser trabalhado. “É essencial para que a criança se sinta acolhida e possa vivenciar um único espaço escolar com oportunidades iguais, independente de onde ela venha. A escola é muito importante na construção da prática do respeito e na educação cívica do aluno”.
Ela ressalta que o tema deve ser trabalhado também com os pais e profissionais, pois se trata de pessoas que vieram de gerações diferentes. “Nós, adultos de hoje, fomos criados da forma tradicional. E as crianças reproduzem na escola o que aprendem em casa. A discriminação é cultural. Então, cabe aos pais, junto aos profissionais da escola desconstruir isso”.
A coordenadora explica que as escolas precisam se preocupar mais com a formação humana de seus alunos. “Não são todas as instituições que prestam atenção nisso. Muitos educadores estão preocupados apenas com a formação acadêmica e com a transmissão do conteúdo, mas não se atentam com a capacidade de se relacionar da criança e do adolescente. É preciso ensiná-los a lidar com o diferente, a trabalhar a empatia. Tudo isso usando recursos dentro da sala de aula”.
Junia elucida que isso só será possível, quando todos forem abertos ao diálogo. “Na sociedade como um todo: escolas, igrejas, comunidades esse assunto deve ser tratado abertamente. Mas lidam com ele como se fosse minoria, quando, na verdade, ele já deixou de ser. Não adianta dizer que está tudo bem, eu já vi inúmeros relatos de alunos que sofrem e muito por isso. É hora de mudar”.