Home > Artigo > Bolsonaro e uma nação de D. Quixotes

Bolsonaro e uma nação de D. Quixotes

Toda mobilização social expressada democraticamente é um ato concreto rumo a uma sonhada mudança ou melhora de vida.

Por outra parte e deixando de lado o aspecto “freudiano” dos sonhos e nos atendo apenas ao sentido figurado do conceito, podemos acordar que a dura realidade da vida é apaziguada pelos sonhos. Esses servem para sustentar o cotidiano e dar mais sentido e cor à nossa existência.

Cientificamente é provado que todos os mamíferos sonham e é incontestável a importância dos sonhos para o homem e para a sociedade. Shakespeare dizia que nós somos do mesmo tecido que são feitos nossos sonhos, e Nietzsche que nada é tão nosso quanto nossos sonhos.

Talvez uma das obras literárias que mais exemplifica o conceito da importância dos sonhos para a sociedade – em termos políticos – seja a do escritor espanhol do século XVI, Miguel de Cervantes que, em seu Dom Quixote, descreve um indivíduo ingênuo, romântico e sonhador que, juntamente com o seu fiel escudeiro, Sancho Pança, saía pelo mundo lutando por um sonho impossível: mudar o mundo e mudando o homem para melhor. Em sua narrativa, a afirmação mais marcante é que, “quando se sonha sozinho é apenas um sonho, mas quando se sonha junto é o começo da realidade”. Pensando assim, querendo assim, nas últimas eleições o Brasil sonhou junto.

Portanto, a capacidade do ser humano de sonhar é a habilidade de se manter vivo por dentro e reflete uma conduta dominada pela esperança. Por outro lado, existem aqueles guiados pelo ego que, carentes de altruísmo, materialistas, enxergam apenas o que veem. Um risco ao sonhador, principalmente quando a brutal anomalia parte daqueles que nos governam e vai matando os sonhos e a esperança de milhões de brasileiros, em especial daqueles que acreditaram e lutaram por mudanças que, hoje frustrados, vivem o pesadelo da insegurança e o predomínio da ignorância. Aquela crescente porção que já sente na pele a transformação do seu sonho em pesadelo.

Em pouco mais de 100 dias do governo Bolsonaro (PSL), o brasileiro não vê nada além da falta de unidade nos discursos da base aliada do governo, os frequentes desmandos, a explícita ganância e a desmedida ignorância de grande parte da equipe que dirige nosso país. Não é sem razão que Bolsonaro tem a pior avaliação em 100 dias de governo, para presidentes eleitos desde 1990. Uma atuação política que compromete a soberania nacional, principalmente, no que se refere a política externa, com a extrema subordinação aos interesses dos Estados Unidos e, ao sanguinário desejo de interferência nas questões internas da Venezuela, que só acirram os ânimos e acentuam a polarização política no Brasil.

A condução desastrosa da questionável reforma da Previdência, que levanta suspeitas de objetivos escusos contra os direitos dos trabalhadores e dos mais necessitados. As polêmicas interferências no Ministério da Educação, que tentam a todo custo, sob o argumento de “despolitização” das escolas, incutir uma ideologia ultraconservadora e retrógrada na mente das nossas crianças, além dos incisivos ataques à educação superior e ao conhecimento científico, como se, incompetentemente, tentasse frear o irreversível progresso intelectual no nosso país. Sacar R$ 20 bilhões das universidades federais é ferir de morte a principal possibilidade de acesso ao ensino superior neste Brasil tão necessitado de conhecimento acadêmico.

Sua política ambiental explicita o projeto de desmantelamento do indispensável Ibama. Poe à mostra a tentativa de entrega da Amazônia, por meio da pretensa parceria com os EUA para exploração das terras indígenas. Isso é um crime, não é só contra nossa pátria, mas também contra a natureza. Esse jogo é típico daqueles que são guiados pelo seu próprio ego e que não sonham com melhora de vida de um povo, de um país. Típico daqueles que não sonham e por não terem seus próprios sonhos acabam sendo coadjuvantes dos sonhos dos outros, neste caso, dos interesses internacionais.

O brasileiro vive o pesadelo do projeto mais ousado e nefasto de privatizações já visto, incluindo nisso a venda da estratégica base de Alcântara, da Petrobras, dos Correios, da Previdência, da educação… além das severas e desrespeitosas críticas às minorias, aos homossexuais, às etnias e a vergonhosa “des-laicização” do Estado que ofende a tantos, da mesma forma que demonstra a pequenez do pensamento e a ilusória ideia de que existe apenas uma verdade e apenas um ponto de vista para todo o minúsculo universo que consegue enxergar.

Um pesadelo que inibe e frustra até o sonhador mais persistente, e põe em risco uma nação inteira. Risco de terminar seus dias como Dom Quixote que, cansado de sonhar, cedeu à realidade imposta a ele.

*Publicitário