“A gente descobriu a leucemia quando a Giulia tinha 4 anos, em 2014. Em maio, começamos a notar alguns hematomas e que ela estava mancando de uma perna. Após esse ocorrido, Giulia começou a ter febre – de manhã passava mal e de tarde melhorava, além de constantes reclamações ao urinar. Levamos ao médico, que pediu um raio-x, e constatou-se que era apenas uma infecção urinária. Entretanto, a saúde da minha filha continuou piorando: a outra perna começou a ter problema, não conseguia andar, sentar se tornou uma tarefa muito difícil e ficava só deitada. Isso preocupou muito a gente, principalmente depois que ela queixou-se de dores ao lado da barriga, sendo que sempre chorava por isso. Desesperados, voltamos ao hospital. Os médicos afirmaram que ela tinha apendicite, mas descartaram essa hipótese logo em seguida. Também fizeram raio-x e não deu nada de anormal. Foi um desespero! Nesse momento, pensamos em tudo: desde uma doença degenerativa até uma simples inflamação no músculo causado por uma gripe. Só não cogitamos que seria câncer. Então, resolvi levar Giulia na pediatra que a atendia até os 2 anos, que solicitou diversos exames de sangue. Quando recebi o resultado, notei que as plaquetas estavam muito baixas. Mandei o exame para a médica que me ligou e disse que a minha filha poderia ter leucemia. Quando ela falou isso, passou milhões de coisas na minha cabeça! Mesmo a médica deixando claro que, atualmente, a maioria das crianças com essa doença se curam, pensei que Giulia iria morrer. As dores que ela sentia na lateral da barriga era o fígado e baço que estavam inchados, o que ocasionava uma pressão nos ossos da perna e, por isso, ela não conseguia andar”.
Esse é o emocionante depoimento de Karla Oliveira, mãe da Giulia. Assim como Giulia, por ano, outras 12.600 crianças e adolescentes terão tumores, segundo dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca). As regiões Sudeste e Nordeste apresentaram os maiores números de casos novos, 6.050 e 2.750, respectivamente, seguidas pelas regiões Sul (1.320), Centro-Oeste (1.270) e Norte (1.210). A doença já representa a primeira causa de morte (8% do total) entre a faixa etária de 1 a 19 anos.
Os tipos de câncer infantil mais comuns são leucemia (que afeta os glóbulos brancos) e os do sistema nervoso central e linfomas (sistema linfático). Além desses, há o neuroblastoma (tumor de células do sistema nervoso periférico, frequentemente de localização abdominal), tumor de Wilms (tipo de tumor renal), retinoblastoma (afeta a retina, fundo do olho), tumor germinativo (das células que vão dar origem aos ovários ou aos testículos), osteossarcoma (tumor ósseo) e sarcomas (tumores de partes moles).
A chefe da Seção de Pediatria do Inca, Sima Ferman, destaca que o câncer que atinge as crianças é diferente daquele que acomete os adultos. “Embora ambas sejam uma alteração na proliferação das células, os tumores infantis são formados por células diferenciadas e muito imaturas, que respondem bem a quimioterapia”.
A médica ressalta que o tratamento deve ser feito de maneira multidisciplinar, com quimioterapia e, em algumas situações, radioterapia e cirurgia. “Hoje em dia, a maior parte das crianças com essa doença vão se curar, pois, quando diagnosticado precocemente, ele pode ser tratado com eficiência”.
Além disso, ela fala que, diferentemente dos adultos, o câncer nas crianças não tem como ser prevenido. “Hoje, trabalhamos muito no sentido de desmistificar a doença. Queremos que todos saibam que o câncer tem cura, o diagnóstico deve ser precoce e o tratamento tem que ser feito em centros especializados. Isso vai fazer toda a diferença no resultado final”.
Mudança
Após descobrir a leucemia, Giulia foi encaminhada para o Centro Infantil Boldrini, em Campinas, São Paulo, onde realizou todo o tratamento. Foram 2 anos e 8 meses lutando contra a doença, com quimioterapias intensas e diversas internações. “Nesse período, devido a medicação, ela ficou com várias feridas pelo corpo e o seu cabelinho também caiu”, conta Karla.
Para cuidar da filha, Karla teve que sair do emprego. “Eu via ela sofrendo daquele jeito e não poder fazer muito para ajudar. Me sentia impotente. Mas as crianças que passam por isso tem uma força para encarar a situação que, muitas das vezes, nós adultos não temos”.
Atualmente, Giulia está curada da leucemia e faz acompanhamento para evitar que a doença volte. “Em dezembro de 2016, ela fez a última sessão de quimioterapia. Hoje, Giulia tem uma vida normal, como qualquer outra criança”.
Sima comenta que o momento em que a criança é diagnosticada com câncer é muito delicado para a família. Segundo ela, nessa situação, os pais sentem que não protegeram o filho da maneira correta. “O câncer é uma condição que acontece no corpo da criança e ocorreria de qualquer forma. Então, isso é difícil para os pais, principalmente, por causa da mudança de comportamento, pois em um dia a criança não tinha nada e depois passa a ter uma doença. Além disso, há também uma mudança muito brusca na rotina dessas pessoas”.
A médica afirma que, apesar do sofrimento, é um momento de muita união na família. “Essa batalha é muito gratificante, mesmo quando o desfecho não é favorável, embora seja uma doença altamente curável. Mas mesmo nessas situações, é possível estabelecer um bom relacionamento com quem está próximo e ajudar a passar por esse momento difícil”.