Conforme dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgados em dezembro, a população em situação de rua no Brasil cresceu 38% entre 2019 e 2022 e atingiu 281,4 mil pessoas. Em uma década, de 2012 a 2022, o aumento foi de 211%.
De acordo com o estudo, trata-se de uma expansão muito superior à da população brasileira, de apenas 11% entre 2011 e 2021, na comparação com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Para entender mais sobre o assunto, o Edição do Brasil conversou com a antropóloga e professora do programa de pós-graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), Regina Medeiros.
Quais foram os fatores que levaram a esse aumento?
Segundo a pesquisa, esse crescimento significativo de pessoas que vivem nas ruas das grandes cidades foi provocado pela pandemia de COVID-19. Dentre outros fatores que contribuíram para esse aumento podemos destacar a questão da desigualdade social e a perda de renda da população brasileira. Com uma situação de extrema pobreza, os cidadãos não têm recursos suficientes para adquirir ou alugar uma residência e é notável o número de famílias em situação de rua por falta de trabalho e de recursos para garantir uma moradia. Vale ressaltar também o racismo estrutural existente no Brasil. De acordo com estudos recentes, sete em cada 10 pessoas que se encontram nessa situação são negras.
Na sua avaliação, quais são os principais motivos que podem levar as pessoas a irem morar nas ruas?
As razões que levam as pessoas a buscar a rua como forma de sobrevivência são variadas e multifatoriais. Mas, certamente, o que prevalece é a pobreza estrutural gerada pela desigualdade histórica no território nacional.
O que precisa ser feito para diminuir esse índice?
Para minimizar essa situação precária é necessário criar, implantar e executar políticas públicas direcionadas a essa população específica, com geração de emprego, renda e acesso a moradia.
Há pouco interesse ou investimento do poder público para resolver essa questão?
O que observamos é a falta de interesse político em solucionar esse problema. Nos discursos, durante período de campanha eleitoral, há muitas promessas por parte dos candidatos em criar mecanismos para atender dignamente essa população, mas são negligenciadas após as eleições.
Quais políticas públicas são essenciais para essa população?
Podemos citar o orçamento para moradia, geração de emprego, acesso aos meios para a mobilidade, direito à saúde, segurança, à dignidade humana, à igualdade e acesso aos serviços públicos garantidos pela Constituição Federal.
Construir novos albergues é uma alternativa?
A construção de abrigos, assim como implantar a moradia coletiva, destinar vagas em quartos de hotéis e fazer a distribuição de barracas são medidas válidas, porém, paliativas. As pessoas querem retomar os seus vínculos familiares, laços sociais e ter emprego digno. São cidadãos que almejam o direito de viver livremente para fazer as suas escolhas com garantia de proteção.
O Congresso derrubou o veto à Lei Padre Júlio Lancellotti, que proíbe a chamada arquitetura hostil. O que isso representa para as pessoas em situação de rua?
O objetivo da proposta era fazer uma “higienização urbana”, que na verdade, tinha a intenção de afastar moradores de rua dos lugares de referência para descanso, sociabilidade, solidariedade e sobrevivência. A derrubada do veto representa para os que vivem nesta situação o direito à cidade, à liberdade, autonomia e ao exercício de cidadania.
Como a sociedade civil pode ajudar essa população?
A sociedade civil tem um papel importante na denúncia às condições de sobrevivência dessas pessoas e, sobretudo, o descaso político em relação às soluções reais para atender de forma digna e ética aos indivíduos que se encontram nessa situação.
Em novembro, lideranças de pessoas em situação de rua levaram demandas ao Supremo Tribunal Federal (STF). Quais os benefícios que esse encontro pode trazer?
O encontro dessas lideranças com o STF foi um ato político importante na história brasileira. A proposta é implicar os poderes Executivo e Legislativo, no âmbito federal, estadual e municipal, para incrementar políticas públicas direcionadas às pessoas em situação de rua e destinar recursos para atender às suas necessidades. Nesse encontro foi denunciado o descaso do governo Jair Bolsonaro (PL) na liberação de dinheiro para garantir a proteção, direito à vida, à saúde, dignidade, igualdade e moradia, especialmente para os indivíduos que vivem nas ruas.
Em sua opinião, podemos dizer que o Poder Judiciário está tentando melhorar essa situação?
O Poder Judiciário sinaliza um diálogo com os movimentos sociais, porém, para atender a essas demandas é necessário um compromisso do governo federal em criar políticas públicas e liberar recursos para solucionar a complexidade da situação de pobreza em que vivem as pessoas nas ruas. Vale apostar na sensibilidade e implicação da nova administração para o atendimento dessa população específica.