Estou convencido de que o mundo é uma abstração. Tudo que nos rodeia não existe a não ser na nossa imaginação e crença. A fé organiza a sociedade e produz organizações que parecem físicas, mas que na verdade são sustentadas por instituições e convenções sociais e legais. Este é o caminho da evolução dos humanos, a saga dos sapiens descrita por Yuval Harari. É preciso crença.
Outra característica decisiva para a evolução do gênero humano é peculiar, falar sobre o inexistente, a ficção. Foi o que destacou a raça humana para romper a barreira que tirou o gênero da posição mediana para o topo da cadeia alimentar. Uma empresa, diz Yuval, pode continuar se todos os funcionários forem trocados e todas as máquinas descartadas e depois substituídas, mas não sobrevive um minuto depois da decisão de um juiz que decrete a sua extinção. As convenções são tão fortes que as corporações só existem na ficção e nos ordenamentos legais acabam sendo mais fortes do que humanos, animais e até coisas concretas.
Organizações comandam pessoas, são donas de coisas e operam como se existissem fisicamente. É assim. O que mais assusta neste caminho é que a habilidade de falar sobre o que não existe, o poder de articular grande número de pessoas e definir regras foram fundamentais para a evolução, mas a fofoca dominou. Os homens só não estão em cavernas, fugindo de leões nas planícies e inferior a macacos, pelo poder de fofoca. Ela existe para separar os maus dos bons, mostrar problemas em comportamentos e principalmente, para proteger a sociedade. O poder da fofoca salvou o homem. A fofoca já foi a matéria prima da imprensa e agora é o terreno inseguro das mídias sociais.
A política também bebe nesta fonte. Nenhum partido pode ser tão grande que ganhe a hegemonia da atividade. O grupo partidário cresce, domina, entra em crise e, obrigatoriamente, vai para o limbo se não extinto. Os grupos crescem na política, ocupam espaços e entram em crise. É que não há lugar para todos. A revolução através de voto ou guerra é nutrida com a expectativa de poder. Em seguida à conquista todos descobrem que ao contrário do que imaginavam não há lugar para todos no poder e nas benesses do novo reinado. Assim que os partidos chegam ao poder entram na síndrome do comando para iniciar guerras internas.
O PMDB desafia esta lógica. Grande há muito tempo, o PMDB desafiou presidentes, comandou adversários e continuou na sombra do poder. Agora exerce o comando, mas com sinais claros da chamada fadiga de material. Este é um termo emprestado da engenharia. Uma peça entra em fadiga por propagação de defeitos por ciclos de tensão e deformação. O PMDB entrou em fadiga diante das pressões do poder e o cerco da Operação Lava Jato.
A briga do líder do partido, senador Renan Calheiros com o Palácio mostra claramente a tentativa de sobrevivência política do senador encurralado por 12 inquéritos no Supremo e a dificuldade de reeleição. No Nordeste a popularidade do ex-presidente Lula ultrapassa os 50%. A impopularidade de Michel Temer, o presidente, vai além dos 70%. Fácil entender o motivo real das críticas do líder do PMDB ao modo “errático” do governo. É a sobrevivência política falando mais alto. Para Renan ter Lula como aliado é a tábua de salvação.
Voltando aqui ao eixo dorsal da sociedade, a fofoca está funcionando. Ela existe para proteger a política. As crenças e convenções comandam e ainda armazenam força para manter tribunais e juízes que da abstração chamada arcabouço legal criam medidas que interferem diretamente na vida das pessoas. O TSE e o Supremo comandam agora a política que define regras que dominam as pessoas. O que parece o desmoronamento da pirâmide é na verdade uma força para as instituições e em reflexo para a organização dos humanos. As regras salvam a sociedade e as pessoas. A política está em xeque exatamente por falta de regras claras já que o vale tudo está sendo desmoronado. Afinal, se até no vale tudo, não vale tudo, as regras proíbem o chamado jogo baixo, dedo no olho e puxão de cabelos, a política é que não pode ser um mundo sem regras e onde vale tudo.
*Jornalista, correspondente em Brasília da Rádio Jovem Pan e comentarista de política da Redevida de TV