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Ouro Preto, cidade abissal

O Museu da Inconfidência reina imponente no Largo onde ergue majestosa a estátua do protomártir Tiradentes. Nessas ruas de Vila Rica, já dissera o Conde de Assumar, ‘a terra exala motins, a água evapora tumultos’.

Impossível não contemplar cheio de êxtase tuas ruas e teu casario. Da ladeira da Rua Direita, capistrana por onde se derramam teus músicos, poetas, artesãos e personagens que parecem sair dos quadros de Velásquez, até a Casa dos Contos, lamentos distantes se perdem ao éter, no corte de tuas montanhas onde se ergue, monumental, o Pico do Itacolomi, como um atalaia permanente da Serra da Itatiaia.

E nas bucólicas varandas de teus bares e elegantes bistrôs, a batida do lundum afro se mistura aos teus geniais músicos, novos bárbaros que enchem tuas noites com evoluções jazzísticas, do blues ao soul.

Ouro Preto, Ouro Preto, precioso ouro negro do Tripui. O brilho amarelo ouro da vã cobiça trouxe a ti a negritude dos grilhões das noites escuras. Almas cativas e aprisionadas. Paredes, estátuas e esculturas mortas que se movimentam e parecem falar, na sua mudez infinita, pela boca e pelas mãos de Aleijadinho e Mestre Athayde.

Almas libertas pelo grito lancinante de Felipe dos Santos, pelas guardas de congo de Chico Rei, pela cabeça cortada e ensanguentada de Tiradentes, pela voz oracular de Bernardo Pereira de Vasconcelos, pela autodefesa do herói da Revolução Liberal, Teófilo Otoni, o grande lutador dos emboabas, perante os juízes de togas negras assentados nas cadeiras seculares de teu Parlamento Imperial.

Assim revi Vila Rica, assim revisitei Ouro Preto, com os sinos plangentes de tuas igrejas barrocas dobrando perante as brumas e a névoa que pairava sobre o largo cinturão de montanhas ao teu redor.

*Mauro Bomfim
Advogado