Há 16 anos, o cineasta dinamarquês Lars Von Trier lançava “Dogville”, um filme que desconforta, revolta, questiona, mas, sobretudo, é necessário. A obra, que inovou ao usar de elementos teatrais no cinema, agora ganha, propriamente, os palcos brasileiros. Com direção de Zé Henrique de Paula e grande elenco, a peça estreia, em Belo Horizonte, no dia 28 de novembro e faz temporada até 23 de dezembro, de quinta a segunda, às 20h, no Centro Cultural Banco do Brasil.
Tendo como pano de fundo os anos 30, período da Grande Depressão que castigou os Estados Unidos (EUA), a trama se passa na fictícia cidade de Dogville, um pequeno e obscuro vilarejo situado no topo de uma cadeia montanhosa, onde residem 15 habitantes aparentemente bondosos e acolhedores. A pacata rotina dos moradores é abalada pela chegada de Grace (Mel Lisboa), vivida no cinema por Nicole Kidman, uma forasteira misteriosa que procura abrigo para se esconder de um bando de gângsteres.
Autoproclamados como “cidadãos de bem”, os moradores, convencidos pelo aspirante a escritor Tom Edison Jr. (Rodrigo Caetano), aceitam receber a forasteira no local, desde que ela passe em um teste: colabore com serviços braçais para as famílias da cidade. O que, inicialmente, aparenta ser uma forma de agradecimento inofensiva transforma-se numa trama perversa de chantagem, violência e abuso de pequenos poderes.
“Com o que estamos vivendo no Brasil e no mundo é mais impactante ainda. Pessoas que, por um lado, se dizem de bem, mas com um ódio absurdo e uma intolerância ao que é diferente. Não tem como não refletir a respeito disso assistindo à peça. Eles se consideram pessoas boas, que se ajudam enfrentando uma crise econômica numa cidade muito pequena, até surgir um elemento que, por algum motivo, os colocam em uma situação de ‘não estou seguro disso, então essa pessoa precisa fazer algo para poder ficar’ e, a medida que a Grace vai sendo explorada, a situação fica cada vez mais agoniante”, descreve a protagonista da peça, Mel Lisboa.
Para viver a personagem, que é alvo de muita violência tanto física quanto psicológica, Mel conta que o método usado pela preparadora de elenco Inês Aranha foca no corpo. “Trabalhamos nessa linha não tanto no psicologismo e mais do corpo e ação. É a forma como a Inês e o Zé trabalham e acho bom porque é uma maneira de se proteger, pois é tudo muito violento [na história] e é através do ator que essa violência é mostrada. Por mais técnico e orquestrado, [o método] é melhor para todo mundo, para o ator que está no palco e para plateia”, afirma.
Apesar de não ter revisto o filme, Mel procurou ler análises sociais sobre a obra. “Tem crítica à xenofobia, porque ela não é exatamente uma estrangeira, mas há o elemento forasteiro. Há questões de pequenos poderes, hipocrisia, abusos à figura da mulher, machismo e misoginia. Também vi análise dos aspectos sociais sobre a Grace representando a classe trabalhadora cada vez mais oprimida, em que quanto mais ela trabalha, menos recebe porque menos tem direitos e mais é explorada”, compara.
E as reações têm sido diversas. “A experiência que tive das temporadas anteriores é de um público muito surpreendido pelo espetáculo, porque, embora o filme carregue uma linguagem teatral, a peça é bastante diferente em termos estéticos, linguagens e direção de atores”.
A atriz se diz orgulhosa do resultado final. “Espero que o público compareça e que as pessoas gostem. É uma temporada com muitas apresentações por semana. Acho uma peça excelente, com o texto forte, bons atores e da qual me orgulho muito. Tenho certeza que quem for assistir sairá agraciado”, brinca a atriz em referência ao nome de sua personagem.
Além de Mel, integram o elenco Ana Andreatta, Andre Satuf, Alexia Dechamps, Blota Filho, Eric Lenate, Fernanda Couto, Fernanda Thurann, Gustavo Trestini, Lucas Romano, Marcia de Oliveira, Marcelo Villas Boas, Munir Pedrosa, Otto Jr., Rodrigo Caetano e Rosana Penna.