O Enem acontecerá nos dias 5 e 12 de novembro e, com isso, cresce a esperança das pessoas em cursar o ensino superior. No entanto, uma mudança nos critérios de avaliação da redação tem deixado os participantes receosos. No dia 25 do mês passado, o desembargador federal Carlos Moreira Alves, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), decidiu suspender a nota zero para os alunos que ferirem os direitos humanos no texto. A decisão foi tomada em ação civil pública do movimento Escola Sem Partido. Na determinação, o magistrado afirma que conteúdo ideológico deve ser um dos elementos da correção e não “fundamento sumário” para desconsiderar, sem avaliação, o “conteúdo intelectual desenvolvido”.
De acordo com a ONU, “os direitos humanos são inerentes a todos, independentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição”. Além disso, “incluem o direito à vida e à liberdade, à liberdade de opinião e de expressão, o direito ao trabalho e à educação, entre outros. Todos merecem estes direitos, sem discriminação”.
Para discutir sobre essa polêmica, o Edição do Brasil conversou com Sandra Tosta, professora do Programa de Mestrado em Educação da PUC Minas e pesquisadora nas áreas de Antropologia Urbana, Comunicação e Educação
Pode haver alguma alteração no tema da redação devido a essa modificação?
Eu acredito que sim, porque essa mudança também abre um leque enorme de temas, que podem alcançar questões sobre o ponto de vista negativo do preconceito e da discriminação.
Essa mudança pode abrir brechas para que as pessoas sejam ainda mais preconceituosas?
Na verdade isso pode virar um canal de expressão dos preconceitos de toda ordem. Essa mudança no edital do Enem é um retrocesso imensurável. Não é possível liberar qualquer tipo de intervenção numa redação, não criar nenhum parâmetro para impedir que as pessoas escrevam coisas contra as outras ou que desabafem todo o seu preconceito, discriminação e misoginia e, logo em seguida, pensar em algo que possa intervir na realidade. Não tem nenhuma coerência no que foi feito e, do meu ponto de vista, é um absurdo.
O Movimento Escola Sem Partido, que entrou com ação, afirma que os alunos não deveriam fingir ter outro posicionamento para passar em um prova. Qual a sua opinião sobre isso?
Eu discordo. Quando se define parâmetros na escrita de uma redação, eles levam em consideração que somos um país historicamente desigual, diferente e diverso e, mais do que nunca, é preciso que não percamos isso de vista. Essa alegação não tem sustentação nenhuma, pois, na verdade, não é contradizer a carta de direitos humanos, mas é desconhecer e desconsiderar um documento mundial e a sua importância.
Pode-se dizer que polarização da política, que vivemos atualmente, chegou à prova do Enem?
Sem dúvida. Essa mudança reflete a situação que vivemos: um governo ilegítimo e que tem destruído, diariamente, todo e qualquer direito social, além das garantias que dizem respeito à cidadania e a convivência entre as pessoas. Esses cidadãos não tem legitimidade nenhuma para estar em Brasília e fazer isso.
Vejam algumas frases que zeraram redações anteriores:
- “Para combater a intolerância religiosa, deveria acabar com a liberdade de expressão”;
- “Podemos combater a intolerância religiosa acabando com as religiões e implantando uma doutrina única”;
- “(Deve) ser massacrado na cadeia”;
- “Deve sofrer os mesmos danos causados à vítima, não em todas as situações, mas em algumas ou até mesmo a pena de morte”;
- “Fazer sofrer da mesma forma a pessoa que comete esse crime”;
- “Muitos dizem […] devem ser castrados, seria uma boa ideia”.
Saiba quais são os possíveis temas da redação deste ano, de acordo com o professor de português Marcelo Batista, da Qualoo Escola Criativa:
1- A homofobia no Brasil contemporâneo
2- A questão indígena no Brasil
3- Mobilidade urbana no Brasil
4- Os jovens e os movimentos sociais no Brasil
5- Legalização da maconha
6- Notícias falsas
7- A depressão entre os jovens no Brasil
8- Os desafios na obesidade no Brasil
9- A Aids e outras doenças sexualmente transmissíveis no Brasil
10- Os limites entre o discurso de ódio e a liberdade de expressão nas redes sociais