Por onde você começa a contar sua história? A partir do dia em que nasceu? Da data em que seus pais se conheceram? Atualmente, é possível aprofundar nessa busca voltando centenas de anos atrás ao descobrir quem são seus antepassados e de que parte do mundo eles vieram, por meio de um teste de mapeamento genético.
Tendência em outros países, o teste de ancestralidade analisa uma amostra da saliva do paciente e cruza os resultados com as informações de um grande banco de sequenciamento genético. “O DNA humano tem 99,9% de semelhança, mas é o 0,1% restante que faz toda a diferença. Nele, estão armazenadas todas as variações genéticas que nos tornam únicos, mas também nos agrupam em famílias, regiões e povos. Alguns trechos do DNA são comuns em pessoas de uma mesma etnia, isso acontece porque elas vieram dos mesmos antepassados e, portanto, compartilham línguas, culturas e também variantes genéticas”, explica David Schlesinger, neurologista, doutor em Genética e empreendedor no ramo.
Ricardo Di Lazzaro Filho, médico e fundador de uma empresa de mapeamento genético, diz que o principal motivo da procura pelo exame é a busca pela própria história. “O Brasil é um país muito miscigenado. Foram anos de colonização por diversos povos, um enorme fluxo migratório de diferentes regiões do mundo, fora o período da escravidão e dos próprios nativos que habitavam as terras antes da chegada dos primeiros colonizadores”, avalia.
No geral, o processo é on-line. Após o pedido, o teste é enviado à pessoa, que precisa colher seu material genético passando um cotonete na parte interna da bochecha e reenviar a amostra para o laboratório.
Filho conta que a plataforma já chegou a unir duas irmãs. “Elas são meia-irmãs por parte de mãe e tem 4 anos de diferença. Assim que a mais nova nasceu foi dada para adoção, pois a mãe não tinha condição de criar as duas. Cinquenta e cinco anos depois, a caçula ganhou o teste de presente de uma amiga que conhecia sua história. Ela encontrou um primo materno de segundo grau. Após conversas e estudos com parentes, as irmãs se encontraram e fizeram novos testes confirmando serem filhas da mesma mãe”, relembra.
A jornalista Paula Kotouc, 33, tinha outras perguntas em relação à sua origem quando buscou por um exame de ancestralidade. “Tenho um sobrenome alemão, um húngaro e um tcheco. Apesar de ser nascida e criada no Brasil, passei minha vida inteira ouvindo perguntas como ‘você é brasileira de verdade?’. Isso me causou um sentimento de não-pertencimento. Comecei a fazer a pesquisa documental e tive muita sorte porque meu tio-avô, Kurt Kotouc, foi personagem do best seller ‘A Mala de Hana’. Com isso, houve muito interesse na história dele, o que facilitou por ter tudo registrado”, conta.
Hoje, ela tem algumas respostas: 60% europeia, 34% judaica, 4% do Oriente Médio, 2% das Américas e 2% africana. “A surpresa foi descobrir que o DNA judaico é diferente do europeu, ainda mais considerando que os judeus da minha família são todos asquenazes, de origem do Leste Europeu. A porcentagem não foi uma surpresa porque meus avós paternos eram judeus e meu avô materno esteve em campo de concentração”, diz.
Passado apagado
Já as razões que levaram o designer de produtos digitais Mateus Santos, 25, a buscar suas origens foram diferentes. “Meu interesse só apareceu quando aprendi sobre o apagamento da história preta. Entendi como meus ancestrais foram trazidos para o Brasil e que eles não eram daqui. Quando você é preto não é estimulado a procurar de onde você veio”, acredita.
Ele conta que no seu círculo social, as pessoas conheciam a história da família. “Uma vez estava brincando com o sobrenome de um amigo e ele ficou muito nervoso e disse para não brincar com aquilo porque veio do avô italiano dele. Nós, pretos, não temos isso. A gente só vai vivendo mesmo, não olhamos para o passado, não conhecemos nossas origens e convivemos com isso como se fosse normal”.
Santos define o teste como “visitar uma história que sempre me foi contada pela metade”. “Descobri que 57% da minha ancestralidade é proveniente da África e 37% da Europa, o que me mostrou que sou fruto da miscigenação, comum a vários brasileiros, originado de estupro e de como as mulheres pretas sofreram com colonizadores europeus. Quando você tem consciência do que aconteceu com seus ancestrais, fica com raiva. Mas, acho que saber mais do meu passado, me deu mais força e vontade de lutar no presente contra o racismo e por um futuro melhor”, afirma.
Futuro previsto
Como explicam os especialistas, o mapeamento genético não desvenda só o passado, mas também joga luz no futuro. “Um teste pode mostrar tendências à deficiência de certas vitaminas, propensão a obesidade, nível de fotoenvelhecimento e longevidade, tendência à calvície masculina, como melhorar a resistência física, ganho de massa muscular, performance atlética, sensibilidade ao sol, risco de acne, fome emocional e até a sensibilidade à cafeína. Além de predisposição à doenças genéticas, como câncer, Alzheimer, Parkinson, infarto do miocárdio e várias outras”, esclarece Filho.
Os dois empresários relatam aumento de interesse pelo produto e apostam na tendência no Brasil. “No período de janeiro a abril deste ano, vendemos 170% mais do que no mesmo período de 2020. Em 2019, a perspectiva era atingir a venda de 1 milhão de kits em 5 anos e, agora, a proposta é atingir até o ano que vem”, conta Schlesinger.