Serviu de zombaria a reação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello, ao dizer que o presidente da Corte, ministro Luiz Fux, praticou autofagia por revogar a sua decisão de liberar um dos presos mais terríveis do país: André do Rap. E, para complicar, Mello contestou seu presidente por meio da imprensa em rede nacional de TV, como se estivesse ofendido ao ver uma sentença sua anulada. Até que teria lógica, caso estivéssemos falando de uma situação comum, referente a um tema corriqueiro. Mas não, visto que está em pauta a soltura de um dos criminosos mais violentos do Brasil, um megatraficante, com ramificação em praticamente todos os continentes.
Embora toda essa falha, vem o ministro se dizer ultrajado com a correção feita por outro membro da Corte. Quem deveria se sentir assim e de cabeça baixa pela vergonha, seria a população brasileira por ter nos quadros do STF alguém da estirpe nebulosa como o senhor Mello. Ele pode ser tudo, mas certamente não é inocente o suficiente para reconhecer que o aludido ex-prisioneiro se portava com urbanidade. Pelo contrário, o conteúdo de seus processos resultantes até mesmo em diversas condenações, inclusive já em segunda instância, é de revelações assustadoras, expondo a face cruel de um bandido protagonista de ações internacionais, representando um cartel de drogas dos mais bem organizados, onde o produto era enviado, especialmente, para o mercado europeu e também para os Estados Unidos.
Apesar de todos esses pormenores cravados em sua ficha, o condenado não tinha problema de ser liberado pelo ministro, pois este justificou dizendo que não procurou mais detalhes da vida pregressa do cidadão, se atendo apenas à capa do processo. Uma simplicidade completamente incoerente, principalmente por se tratar de autoridade representante da mais alta Corte Judiciária desta nação. Mas a cena em tela começou a ser descrita no final do ano passado, quando o Congresso Nacional fez acrescentar à lei o artigo 316, parágrafo único, que diz: “Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal”.
Certamente, alguém agindo de má-fé atuou nos bastidores para encaixar esse famigerado parágrafo dentro de uma reforma geral das leis do Brasil, visando facilitar que pessoas praticantes de crimes não fossem liberadas com tanta facilidade como lamentavelmente veio a acontecer. Agora, resta saber com que intenção os legisladores tomaram esta decisão. E mais, até mesmo o presidente da República, Jair Bolsonaro, pode ser responsabilizado pela sua atitude de sancionar o aludido artigo. Ele, à época, foi alertado pelo seu então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, de que o tema não estava sendo bem esclarecido, pois havia uma dose de obscuridade nesta inclusão feita a última hora, procedendo dos bastidores do Congresso Nacional.
Mesmo assim, houve a publicação. O benefício foi estendido a pessoas detidas por um prazo de 90 dias, e agora, está aí a primeira grande celeuma deste verdadeiro imbróglio jurídico. Mesmo estando supostamente amparado pela lei, Marco Aurélio Mello não usou a coerência e o zelo, indispensáveis nestas circunstâncias. Por essas e outras razões é que nos países civilizados se ouve com facilidade uma frase: “o Brasil não é um país sério”. Outrossim, constatamos que o responsável pelo ato indubitavelmente será mencionado pela história no futuro, e quem sabe até lá, quando tudo isso for parar nas entrelinhas dos livros, haverá alguém com capacidade e tenacidade para decifrar, efetivamente, os motivos de tamanha e errônea decisão, motivadora da maior controvérsia jurídica, moral e de bons costumes desses tempos de pandemia e em pleno fim do ano.