Dados do relatório anual sobre Violações à Liberdade de Expressão, divulgados em março, apontaram que, somente no ano passado, a mídia profissional sofreu mais de 11 mil ataques por dia através das redes sociais. Uma análise feita pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) mostrou que, também em 2019, as agressões a veículos de comunicação e a jornalistas cresceram 54%. Foram 208 casos contra 135, em 2018.
O presidente Jair Bolsonaro foi o responsável por mais da metade dos ataques aos profissionais da imprensa em 2019. Este ano, os índices seguem indicando o chefe da nação como principal agressor da imprensa. Até o início de maio, Bolsonaro já havia proferido 179 ataques à imprensa, sendo 28 deles agressões diretas a jornalistas, duas ocorrências direcionadas à Fenaj e 149 tentativas de descredibilização da mídia.
Toda a imprensa belo-horizontina foi ameaçada de morte, no último mês, através de uma pichação feita na Avenida Alfredo Balena, no bairro Santa Efigênia. Na parede, os dizeres: “jornalista bom é morto”, “mate um jornalista por dia” e “colabore com a limpeza do Brasil: mate um jornalista”, acenderam um alerta do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais (SJPMG). A presidente da instituição, Alessandra Mello, explicou que está em contato com autoridades para tentar combater qualquer tipo de violência.
Alessandra revela que um dossiê está sendo montado para ser entregue ao Ministério Público e adiciona que o auxílio deste e de outras instituições são de suma importância para o combate ao ataque contra a imprensa. “Não adianta mais fazer nota de repúdio, é preciso agir, porque uma hora pode acontecer algo mais grave. As agressões estão deixando de ser virtuais e chegando às vias de fato, isso é muito preocupante”.
Ela elucida que esses episódios trazem um risco à democracia. “A liberdade de expressão e o direito à informação são universais, garantidos nas convenções internacionais e na nossa constituição. Trata-se de um ataque à democracia, à liberdade e à dignidade de trabalho. É terrível que a gente saia nas ruas para exercer uma profissão de tanta relevância e seja agredido”.
A presidente do SJPMG acrescenta que tudo isso reflete o momento que o país se encontra. “Vivemos uma ascensão da escalada autoritária e fascista. E assim a imprensa vira um alvo. Essa situação deve ser uma preocupação de toda a sociedade, pois denota um adoecimento da nossa democracia”.
O jornalista e professor Higor Gonçalves esclarece que esses ataques são históricos. “A imprensa sempre foi alvo, afinal, é a atividade que mais importuna os poderosos porque expõe, denuncia e cobra aqueles que não desejam ter suas decisões e atitudes questionadas. Ser alvo de agressões morais ou até mesmo físicas, por tornar público o que alguns procuram esconder, é tão antigo quanto à própria história”.
Ele afirma que grupos políticos sempre travaram “guerras ideológicas” contra a imprensa e das mais diversas formas possíveis. “O objetivo, em todos os casos, sempre foi deslegitimar a atividade. Este ano a situação parece ter piorado no Brasil devido, sobretudo, a dois fatores: acirramento do clima de polarização política, que já vinha se arrastando há alguns anos; e efeitos gerados pela propagação da COVID-19 no país, que enfureceu ainda mais os ânimos já exaltados”.
Higor relembra ainda a decisão de grandes grupos jornalísticos do país como Globo, Band e Folha de deixarem a cobertura presencial do Palácio da Alvorada devido à violência. “É responsabilidade do governo garantir a integridade de todos os cidadãos, sejam eles apoiadores, opositores ou profissionais que estão exercendo suas funções. Insultos e ataques físicos, sem quaisquer garantias ao livre exercício da atividade jornalística, numa democracia, são inadmissíveis. Diante da situação, o Palácio precisa tomar, urgentemente, as providências cabíveis”.
Para a jornalista especializada em Media Training, estudiosa da Comunicação Pessoal, Aurea de Sá, a solução para este cenário, em curto prazo, seria ações da Justiça para coibir os excessos, principalmente, do presidente da República em suas investidas contra a imprensa, como tentativas de censurar publicações ou exigir que jornalistas calem a boca.
Ela acredita que essas atitudes não devem ser aceitas por ninguém. “É preciso autoconhecimento para que a pessoa ganhe autoconfiança. É importante que se entenda o trabalho do jornalista ou a política editorial dos veículos de imprensa. E, principalmente, é necessário promover o controle das emoções”.
A especialista acrescenta que a inteligência emocional é a chave de tudo. “É esperado de quem não a tenha ou não saiba expor argumentos consistentes que parta para agressão, mas isso não pode ser tolerado a ponto de se transformar em um padrão de comunicação, ainda mais por quem deveria ser exemplo positivo e não o contrário”.
Gonçalves declara que a solução está na educação. “A sociedade precisa ser cada vez mais ensinada a compreender que críticas aos atos de quaisquer governos ou poderes são legítimas e fazem parte do Estado Democrático de Direito. Na democracia, não há poder absoluto, acima do bem e do mal. Nela, todos os cidadãos têm a prerrogativa de manifestar, civilizadamente, a própria opinião, e cobrar àqueles que exercem o poder público”.
Por fim, ele diz que as autoridades tem a incumbência de estabelecer canais de diálogos transparentes com a população, avaliar o impacto de decisões que afetam a todos e corrigir eventuais falhas na implantação de políticas públicas. “A imprensa precisa ter garantidas à liberdade e segurança para fazer o seu trabalho, expondo, denunciando e cobrando aqueles que, por administrarem a coisa pública, devem explicações à sociedade”.