Quando soube que estava grávida de gêmeos, Gisela Di Donato, 36, não fazia ideia de como seria sua licença-maternidade, mas de imediato, tranquilizou seu chefe: “De cara, ele me perguntou como ia ser, quem cobriria a minha licença e quando sairia. Na época, a empresa tinha ganho um contrato muito grande no Rio Grande do Norte e ele me questionou se eu voltaria a tempo”. Durante todo o período, o mantra para acalmá-lo era o mesmo: ‘Se você precisar, volto antes’. “A gente fala isso, mas não dá para saber como vai ser”, conta a química, mãe de dois meninos de 10 meses e gestora de contratos terceirizados de uma grande petroleira.
No total, 288 pessoas trabalham sob a chefia de Gisela. Focada no crescimento profissional, ela conta que não tinha dúvidas que conseguiria conciliar a maternidade com seu trabalho. Mas que no universo de mães trabalhadoras, o medo não é incomum. Segundo a pesquisa da Catho, empresa de recrutamento online, 30% das mulheres deixam o mercado de trabalho para cuidar dos filhos. Entre os homens esse número é quatro vezes menor, atingindo 7%.
Ter receio de faltar ao trabalho, caso o filho passe mal, é o conflito mais comum (48%) enfrentados pelas mães e empresas/gestores. Dentre outros impeditivos estão ter que pedir para chegar mais tarde no trabalho para ir em uma reunião escolar (24%) e se atrasar devido a exaustão da rotina (10%).
A enfermeira obstétrica Amanda Rodrigues, 37 anos, tem dois filhos. E cada gestação foi uma experiência diferente. Da primeira vez, retornou à rotina. “Foi difícil, mas necessário. Ele tinha 4 meses e inicialmente representou um período de ruptura, como se o corte do cordão umbilical acontecesse ali na escola. Mas digo que foi necessário porque trabalhar era o momento que me fazia sentir mulher e não somente mãe”, diz. Após a conclusão de seu doutorado e a chegada do segundo filho, Amanda participa de processos seletivos para vagas que se encaixem no seu novo estilo de vida. “Pretendo trabalhar no período em que meus filhos estiverem na escola e, para isso, conto com uma rede de apoio de familiares, escola e meu esposo”, explica.
Para arcar com as contas juntamente com o marido e, especialmente, ter mais tempo com seu primeiro filho, a jornalista Júlia Salce fez uma proposta à empresa. “Pensei ‘será que consigo reduzir minha jornada de trabalho? Fiz a proposta para a empresa, disse que gostaria muito de viver minha maternidade e como a lei trabalhista estava mais flexível, queria reduzir minha jornada de trabalho com consequente redução salarial. Para minha surpresa, recebi um sim”. Hoje, trabalhando 6h por dia, ela acredita ter alcançado o equilíbrio. “No começo, algumas pessoas não sabiam que eu estava trabalhando menos e ficavam ‘nossa, você já vai embora?’. Comentários não por preconceito, mas por desconhecimento”, lembra.
A psicóloga e consultora de desenvolvimento humano Jovaneide Batista esclarece que discriminação velada de líderes diretos, restrições de viagens ou de algumas atividades que possam ser percebidas como inadequadas, como faltas frequentes por motivos de saúde dos filhos e reuniões na escola são os preconceitos mais comuns que uma mãe pode sofrer no ambiente de trabalho. “Depende muito da cultura e nível de maturidade das organizações. Em empresas que lidam com a diversidade de forma positiva e inclusiva, a maternidade não é um problema e muitas mulheres conseguem retomar às atividades produtivas antes mesmo do fim da licença, especialmente se ocupam posições de liderança”, diz.
Em alguns casos, a profissional não quer ser diferenciada como uma funcionária grávida. Durante a gestação, Gisela, por exemplo, viajou várias vezes a trabalho. “Passava mal no avião, chegava no local, alugava carro e dirigia 3h, 4h para chegar até o cliente. Trabalhei normal, posso dizer que minha empresa não pensou ‘temos uma grávida, então ela não pode fazer isso’’.
Durante a licença-maternidade, ficou com o computador da empresa em casa. “Confesso que, até o segundo mês, foi bem tranquilo porque eles dormiam bastante. Nesse período, conseguia fazer as coisas de casa, rotina de mamadeira, troca de fralda e com o notebook ligado acompanhava uma coisinha ou outra. Mas não me envolvia com problemas intensos”. Por uma vez, também durante a licença, precisou que a avó da criança assumisse a rotina dos bebês e foi acompanhar a visita de um órgão regulador a um dos clientes da empresa. “Nunca deixei de entregar o de sempre, sem usar meus filhos como muletas”, crava a chefe ao dizer ter orgulho da grávida que foi e considerar ter tido apoio do seu ambiente de trabalho.
Tabitha Laurino, gerente sênior da Catho, afirma que a empresa pode adequar a forma de pensar e sua estrutura à nova realidade. “Há uma grande dificuldade enfrentada por algumas empresas em compreender que a mãe continua sendo uma profissional excelente, mas ainda assim, precisa de suporte durante e após a maternidade. Algumas dessas práticas já são observadas em algumas instituições, como: berçário e/ou sala de amamentação dentro da empresa; contribuição financeira por meio de porcentagem pré-definida no plano de saúde, permitindo cobertura de consultas e exames durante a gestação, brinquedoteca ou salinha de recreação para crianças, possibilidades de trabalhar meio período na empresa e fazer home office, dentre outros”.
A advogada Luciana Pena explica que os direitos da mãe trabalhadora estão descritos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em uma seção específica sobre a proteção à maternidade, que incluem a gestação, amamentação, creche e pré-escola, licença-maternidade e condições específicas às empregadas domésticas e trabalhadoras rurais. “Muitas vezes por desconhecimento, as empresas cometem violações trabalhistas. Por isso, se faz necessário uma atuação consultiva, de forma a buscar orientação jurídica para prevenir e resguardar os direitos das mães, a fim de que as condutas empresariais não gerem passivo trabalhista e violações de direito”.