A juventude está triste, irritada e com mais peso desde o início da pandemia. É o que aponta a pesquisa “Onde e como estão as crianças e adolescentes enquanto as escolas estão fechadas?”, realizada pelo Datafolha a pedido da Fundação Lemann e Instituto Natura. O levantamento ouviu 1.315 pais e responsáveis por mais de 2.100 pessoas de 4 a 18 anos matriculados na rede pública ou fora da escola de todo o Brasil.
De acordo com os entrevistados, 94% das crianças ou adolescentes apresentaram mudanças de comportamento desde que a crise sanitária começou. A maioria engordou no período (56%), se sente triste (44%), está com mais medo (38%) e demonstra desinteresse pela escola (34%). Entre os que ficam sozinhos em casa, são mais altos os índices dos que passaram a dormir mais, estão mais quietos ou têm mais dificuldades para dormir.
A manicure Joice Corrêa, 29, é mãe da Ana Alice, de 11 anos. Ela conta que a menina sempre foi elogiada pelo desempenho escolar e que a dedicação se manteve até o fim de 2020. “Quando as aulas foram suspensas, a Ana estava no último ano do ensino básico e, no geral, foi muito tranquilo mantê-la interessada nos materiais enviados. Porém, neste ano tudo mudou, ela não pega no caderno sem briga e discutir. É muito desgastante”, conta.
Além dos pais e responsáveis, a pesquisa também ouviu jovens de 10 a 15 anos para entender as suas expectativas e descobriu que 75% deles sentem falta das aulas presenciais ou de algum professor e 60% sentem falta do convívio social e dos amigos.
Para Joice, as mudanças do novo ano letivo da filha foram muitas. “O que percebi foi que enquanto ela estava com a turma passada, era tudo mais simples, porque era uma continuação do que ela já conhecia, só que em casa. Com a mudança de professora, de matérias e de colegas sem nunca ter visto ninguém pessoalmente, acho que ficou difícil para ela manter uma conexão e o interesse de antes com o estudo”, diz.
Como explica a psiquiatra infantojuvenil Jaqueline Bifano, é normal que crianças e adolescentes apresentem mudanças. “Todos eles estão passando por transformações típicas da fase e idade. Há um aumento na altura, peso, órgãos, membros, cabelo, troca de dentes, dentre outros. Na adolescência, os jovens ainda têm de lidar com as alterações hormonais. Tudo isso pode gerar variações no sono, humor, alimentação, nos gostos, preferências, modo de agir, pensar e, até mesmo, comportamentos imprevisíveis e mais agressivos”, diz.
Apesar das mudanças serem normais, jovens intensificam sentimentos. “Eles têm a capacidade de interpretar o que está ocorrendo de forma autônoma e, muitas vezes, essa interpretação acaba não sendo tão adequada quanto à realidade dos fatos, gerando preocupações equivocadas e muito maiores e de mais difícil resolução do que realmente está acontecendo. Por isso, a pandemia gerou também comportamentos como sensação de maior tristeza, medo, falta de interesse na escola, aumento de peso, alterações no sono e insegurança. Muitas dessas crianças e adolescentes também regrediram em algumas atitudes”, afirma Jaqueline.
Na avaliação da psicóloga Vanessa Gebrim, a família deve buscar um equilíbrio para apoiá-los. “É essencial que os pais estimulem as noções de prevenção à COVID-19, mas não é preciso cortar toda a comunicação. Na verdade, é mais importante do que nunca conversar, falar, ouvir, compartilhar histórias, conselhos e ficar em contato virtual com outras pessoas. Eles adoram isso. Incentivem os filhos a fazer coisas que lhes deixem bem. Manter uma dieta saudável, ficarem ativos, fazendo caminhadas ou se exercitarem. Ter uma rotina diária também é fundamental para a melhora do quadro. Fazer terapia também ajuda muito nesse momento”, recomenda.
Sonhos e futuro
Outro ponto levantado pelas crianças e adolescentes foi o que vem daqui para frente, pois 66% acreditam que terão o futuro muito ou um pouco prejudicado por conta da pandemia. Além disso, os sonhos da juventude também foram colocados em xeque: 40% sonhava com profissões antes da COVID-19, agora, esse número caiu para 37%, já 17% afirmaram que seu sonho é que a pandemia acabe.
Vanessa acredita que os impactos negativos provocam grande preocupação, mas que é possível extrair aprendizados. “Se por um lado crianças e jovens carregaram consigo marcas do distanciamento e um treinamento excessivo por limpeza, por outro, poderão se destacar no que diz respeito a esse senso de adaptação a diferentes situações, desenvolvendo o que chamamos de inteligência emocional. As relações construídas nesse período entre os membros da família poderão ajudar essa nova geração a ser mais afetiva. Também acredito que eles não se afetarão tanto em ter momentos solitários, pois saberão ficar sozinhos”, conclui.