O ano de 2021, que acaba de nascer, é um robusto garotão cuja paternidade muitos disputa. Afinal, antecede a um ano político de grosso calibre e revela-se, desde já, com cacife suficiente para alavancar as disputas eleitorais em 2022, especialmente a presidencial, no vácuo benfazejo da imunização contra a COVID-19.
Diante desse cenário alvissareiro, as peças de um intrincado jogo de xadrez são movimentadas de forma estrategicamente calculadas, porquanto nesse embate os fins justificam os meios utilizados para atingi-los, como prelecionou o filósofo Nicolau Maquiavel no seu clássico “O Príncipe”, em 1513, quando o nosso país era um adolescente território descoberto por naus portuguesas.
Por isso, não é de se estranhar haja tanta gente disputando espaço na mídia e nas redes sociais, quando uma pandemia assola o planeta terra, e seja alvo de disputas políticas acirradas em solo tupiniquim. O principal protagonista dessa disputa é o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), declarado candidato a candidato ao Palácio do Planalto em 2022. Ele mede forças todas as semanas, tentando polarizar com o presidente Jair Bolsonaro que, na maioria das vezes, debocha do opositor que ajudou a construir. Não bastasse Doria e seu séquito de assessores, devidamente paramentados e por detrás de dispositivos a deitar falação, partidos de oposição ao governo não lhe dão trégua com ações diretas de inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Discutem o sexo dos anjos, levando a Suprema Corte a apequenar-se deliberando sobre assuntos intestinos do poder Executivo, esquecendo muitas vezes do seu papel preponderante de guardião da Constituição. Com efeito, assuntos que nem sequer deveriam ser admitidos – por estarem claramente definidos em lei – tomam conta da pauta do STF, desde confisco de seringas, autonomia para se fazer vacinação sem respeitar o Calendário Nacional de Imunização do Ministério da Saúde, mesmo sem autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa); obrigatoriedade da vacinação e outros que tais.
As decisões do Supremo beiram a teratologia ao proibir o Ministério da Saúde confiscar insumos, como se seringa pudesse ser classificada como tal. Quanto à dispensabilidade de autorização da Anvisa para o uso de vacinas, o STF permite, mas impõe condicionantes que cercam qualquer possibilidade de fazê-lo, tais como ter havido o registro em pelo menos uma autoridade sanitária estrangeira e que tenha sido autorizada a distribuição comercial em seus respectivos países, como a FDA americana e a europeia EMA, dentre outras elencadas.
O governador Doria joga todas as fichas na CoronaVac, desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac, em parceria com o Instituto Butantan, que, como a vacina de Oxford, produzida pela Fiocruz, esperam a autorização emergencial da Anvisa para serem utilizadas na população brasileira. Em ambos os casos, há ainda muita documentação pendente de entrega para a análise do órgão oficial.
Nenhuma das agências citadas pelo STF registrou a vacina CoronaVac, mas o governador paulista já divulga que dará início à vacinação no próximo dia 20 em São Paulo, à revelia da Anvisa e do calendário do Ministério da Saúde.
A Anvisa, todavia, ciente de suas responsabilidades, parece não se influenciar por essas pressões políticas, que nem sempre colocam a saúde da população em primeiro plano.
Há também embates acirrados entre grupos do meio científico: os que defendem o uso imediato das vacinas, já aprovadas, e os mais cautelosos, que entendem ser prudente dar tempo ao tempo – utilizando-se dos tratamentos precoces – enquanto se testa uma vacina como manda o figurino, sem atropelar fases importantes. Estes garimpam meios para o tratamento precoce da COVID-19, havendo quem garanta obter eficácia de 0% de óbitos.
Mas este grupo também enfrenta opositores, que afirmam não haver, até agora, qualquer medicamento que evite o contágio da doença, segundo autoridades de saúde.
Entre afoitezas para liberar vacinas sem o carimbo da eficácia e da segurança, interesses políticos escancarados para aparecer como o pai da criança, grupos que apóiam o uso da vacina, grupos que a acham deletéria à saúde humana – pois testadas com atropelamento de fases importantes – está o cidadão comum, homiziado em sua própria residência, assustado com a falta de sintonia de autoridades, atemorizado pela mídia que só fala em mortes faz quase um ano, sem saber que rumo tomar, pois não sabe em quem acreditar.
Triste, muito triste…
*Itamaury Teles
Escritor e jornalista
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