A prática da leitura ainda não está totalmente presente entre os brasileiros. Uma prova disso são os dados da pesquisa Retratos da Leitura do Instituto Pró-Livro. De acordo com o levantamento, 44% da população não lê e 30% nunca comprou um livro. A média de obras lidas por pessoa ao ano é de 4.96. Desse total, 2.43 foram terminados e 2.53 lidos em partes.
O desempenho no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), prova feita em 70 países com estudantes entre 15 e 16 anos, também é desanimador. O resultado da última avaliação mostrou que 51% dos estudantes estão abaixo do nível 2 em leitura, que é considerado o patamar básico.
Para compreender este fenômeno, o Edição do Brasil conversou com Luís Antonio Torelli, presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL). Segundo ele, o Brasil ficou nos últimos lugares do Pisa no quesito leitura. “A média atual dos estudantes brasileiros é de 407 pontos, muito inferior à dos alunos dos outros países”.
Por que parte da população ainda não têm o hábito de ler?
O hábito da leitura se dá em casa, por meio dos pais ou responsáveis e, em segundo lugar, o professor. Existe mais um dado que vai reforçar a minha reposta. Cerca de 30% dos nossos professores também se declaram não leitores. Nós temos famílias e educadores que leem pouco, uma média de 4.96 livros lidos por pessoa ao ano, o que está muito abaixo do ideal para um país como o nosso.
E também tem uma questão que o próprio sistema de ensino não propicia o hábito da leitura. O livro na escola é sempre encarado como objeto apenas para fazer uma prova e tirar nota. A relação do estudante com o livro é ruim. Eles leem não por prazer ou vontade, mas porque o colégio exigiu. E isso é uma coisa que acompanha o aluno até o vestibular e causa reflexos na vida adulta.
Quais os benefícios do hábito da leitura? Quais problemas a falta dela pode trazer?
A leitura é bastante transformadora. A gente percebe isso desde a mais tenra idade. As crianças que têm o hábito da leitura e gostam de contar histórias possuem uma outra forma de pensar. A prática desde cedo traz conhecimentos enriquecedores para a vida adulta.
Hoje estamos vivendo, por exemplo, o problema das fake news e visto verdadeiras barbaridades compartilhadas pelas redes sociais. As pessoas não têm se interessado em se aprofundarem nos assuntos, pois não leem. Também temos um enorme contingente de leitores analfabetos, que são aqueles que sabem ler, mas não conseguem interpretar o conteúdo, acabando por replicar essas notícias falsas.
Acredito que sem a leitura plena, a educação fica prejudicada. Por exemplo, nos exames do Enem há uma grande quantidade de respostas erradas por falta de interpretação das questões.
Como a CBL incentiva a leitura?
A CBL lançou, na Bienal do Livro de São Paulo de 2018, o projeto Itinerários da Leitura. É um programa desenvolvido para apoiar o professor no estímulo da leitura em sala de aula desde a infância. É possível acessar o formulário gratuitamente pelo site da CBL (www.cbl.org.br). É um documento simples, mostrando os caminhos que podem ser percorridos para transformar o estudante em leitor.
Qual é o papel da escola?
A escola exerce uma ação fundamental. As intuições deveriam aparelhar suas bibliotecas com um acervo atrativo, se interessarem mais por essa questão e não ficarem esperando que o governo envie os livros.
É importante permitir que o estudante, principalmente a criança, escolha seu próprio livro. Que não seja uma coisa imposta pela escola, como um elemento de cobrança que serve apenas para tirar notas.
Também existem ações simples que o próprio professor pode fazer que é a contação de histórias. A criança em fase de alfabetização é curiosa e gosta de pensar e imaginar. Com essa didática, ela pode inclusive desenvolver as suas próprias histórias.
A Lei nº 12.244 trouxe mudanças significativas?
Essa é uma lei assinada em 2010, que estabelece que as instituições de ensino, públicas ou particulares, tenham um acervo bibliotecário até 2020. Já se passaram 8 anos e eu não percebo uma movimentação favorável. Essa é mais uma lei que não funcionou corretamente. Falta percepção aos nossos governantes sobre a questão da leitura, ainda mais agora com a contingência no orçamento. Por esta razão, o livro é colocado em último lugar.
Nosso governo não compra livros desde 2014 para as bibliotecas de escolas públicas, pois o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) simplesmente não existe mais. Infelizmente, a leitura não é encarada com a seriedade necessária para uma educação de melhor qualidade.
A partir de que idade é recomendado incentivar as crianças?
Um estudo da Sociedade Brasileira de Pediatria diz que é recomendado ler para uma criança ainda no ventre. Eu acredito que a prática é ainda mais efetiva no momento da alfabetização. Ter o livro de forma acessível em casa e frequentar livrarias e bienais é essencial. A gente percebe a emoção das crianças ao encontrar com os autores durante os eventos.