Ao dizer “É junto dos bons que a gente fica melhor”, o mineiro João Guimarães Rosa traduziu uma necessidade de todo ser humano: pertencer a um grupo. Isso costuma acontecer naturalmente, seja por meio do estudo, do trabalho ou de um hobby que nos aproxima daqueles que temos afinidades. Porém, as mudanças da vida podem nos afastar desses círculos sociais. A chegada de um filho, por exemplo, muda completamente a rotina de uma mulher. E, para muitas mães, a maternidade chega acompanhada do sentimento de solidão. “A mulher ouve que ser mãe é maravilhoso, que com o filho ela vai se sentir poderosa. Mas a realidade é completamente diferente, porque de está, na maior parte do tempo, sozinha. Além disso, perde tempo e espaços para si, precisa lidar com o corpo mudando, pode acontecer de ela ter sofrido violência obstétrica e ter de lidar com uma depressão pós-parto. E, isso é visto como algo normal, que faz parte”, diz Renata Gandra, psicóloga com foco em terapia de casal e família.
Mãe de um menino de 11 anos, Renata organiza uma roda de conversa em seu consultório para falar do que ela define como maternidade possível. “A principal proposta é ouvir essas mães. Nas pesquisas, vê-se muito que as mulheres mães têm receio de falar sobre os sentimentos relacionados à maternidade por conta de julgamentos. Socialmente, estamos pensando sempre numa única forma de ser mãe. Tudo que foge desse padrão, é um problema”, explica.
Alçadas ao posto de sagradas e intocáveis, mães costumam ser definidas como: “Tudo!”. Mas qual o preço de ser uma santa? “Cobranças, cansaço, sobrecarga, lidar com expectativas alheias, muitas vezes dos próprios filhos, são as queixas que mais escuto no consultório”, relata a psicóloga.
Márcia Machado é a mãe por trás da administração do grupo Amor de Mãe, de Belo Horizonte, que reúne mais de 14 mil participantes. A ideia da engenheira e empresária mineira, inicialmente, era unir mães para relatos de experiências e companhia para atividades cotidianas. “A função do grupo é tirar a maternidade dessa solidão que é hoje. Antigamente, as mães criavam os filhos de forma mais coletiva, as cunhadas moravam perto uma das outras, perto das sogras, as famílias eram maiores, todos os primos eram criados por perto. Hoje, é cada mãe com um filho, no máximo dois, dentro do seu apartamento, muitas vezes, sem conhecer nem o vizinho do lado. É um período muito solitário”.
Mãe de dois filhos e com dois enteados, Márcia fala e vive a maternidade o tempo todo, mas acredita que o posto de matriarca precisa ser ressignificado. “Sou mãe desde os 19 anos, não me conheço de outra forma, mas a maternidade é muito romantizada. Na prática, o buraco é mais embaixo. Devemos trazer as mães ‘pra real’. É pesado, é difícil, é caro ser mãe. Demanda tempo e muita energia. Tirar essa imagem de ‘santa’ também é tirar os pais dessa coadjuvância. Queremos trazer os pais para seus papéis reais, que não é o de ajudante de mãe”.
A empresária decidiu usar seus conhecimentos para estimular as participantes a serem independentes financeiramente. Para ela, a maneira mais eficaz para alcançar essa liberdade é empreender. “A gente não quer mães em casamentos que elas não querem estar apenas por não conseguirem manter uma casa”, diz Márcia.
O grupo deu tão certo que um shopping da capital disponibilizou uma de suas salas para receber os produtos do projeto sem cobrar pelo aluguel, as mulheres dividem apenas os custos de manutenção entre si. Entre os itens à venda, estão roupas infantil e adulto, calçados, cosméticos, bijuteria, artesanato, papelaria e vasilhas plástica. Ao todo, 40 matriarcas expõem produtos e outras 10 divulgam serviços, como limpeza de sofá, arquitetura, fotografia, plano de saúde, marketing, ensino e contabilidade. Outras 50 mulheres estão na fila para integrar o negócio.