
Nas próximas semanas, a Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal deve discutir a autorização da venda de medicamentos isentos de prescrição (MIPs), tema do Projeto de Lei (PL) 1.779/19, de autoria do deputado Glaustin da Fokus (Podemos). A medida foi apresentada ao governo federal como uma forma de reduzir o preço dos remédios para os consumidores.
A comercialização de analgésicos chegou a ser permitida em supermercados e armazéns a partir da Medida Provisória (MP) 592/94, que implantou o Plano Real. No entanto, em 2004, a prática foi proibida após um entendimento do Superior Tribunal de Justiça.
O CEO de uma rede de clínicas médicas, Rafael Teixeira, avalia que, com a aprovação do projeto, podem surgir oportunidades como parcerias estratégicas entre farmácias e supermercados. “Há espaço para construir modelos de colaboração que garantam que os pacientes tenham acesso a consultas médicas antes da compra de medicamentos, assegurando um uso seguro e eficaz, além do aumento na demanda por um atendimento acessível”.
“Por outro lado, a medida pode trazer desafios, como o crescimento da automedicação. A venda desses produtos em supermercados pode levar ao uso inadequado, resultando em erros no tratamento e agravamento de doenças”, complementa.
Teixeira defende que a melhor forma de integrar o setor farmacêutico aos serviços de saúde é garantir que o paciente passe primeiro por uma consulta médica qualificada em um ambiente adequado e especializado, como uma clínica ou consultório, antes de adquirir qualquer medicamento. “Essa mudança não deve beneficiar apenas o varejo, mas sim impulsionar um modelo que fortaleça o acesso seguro e qualificado à saúde no Brasil”.
Setor farmacêutico é contra
Por meio de nota enviada ao Edição do Brasil, o CEO da Associação Brasileira das Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), Sérgio Mena Barreto, destacou que, caso aprovada, a medida seria desastrosa para o setor. “MIPs são um segmento essencial das farmácias e representam cerca de 30% das vendas. Autorizar a comercialização em supermercados, apenas para adicionar mais uma categoria de vendas, provocaria um desequilíbrio econômico em um setor que funciona bem e é respeitado mundialmente”.
“O custo operacional de uma farmácia é elevado. Provavelmente, haveria um efeito rebote com o aumento no preço dos medicamentos de prescrição, impactando negativamente a saúde da população, especialmente dos mais pobres”, acrescenta.
Barreto também rebateu o argumento de que os preços desses medicamentos seriam até 35% mais baixos nos supermercados, classificando essa informação como enganosa. “Monitoramos os preços de mais de mil itens comuns a farmácias e supermercados, e constatamos que esses estabelecimentos vendem mais caro em 50% das vezes”.
Também por meio de nota, o Conselho Federal de Farmácia (CFF) alertou que a medida poderia trazer prejuízos à saúde pública. “Ao liberar a venda de medicamentos isentos de prescrição (mas não de riscos) nos supermercados, o governo permitirá o acesso a preços mais baixos, porém, sem orientação adequada, em um país onde cerca de 90% dos brasileiros se automedicam. O resultado será, sem dúvida, um impacto ainda maior para o Sistema Único de Saúde (SUS), que já gasta R$ 60 bilhões por ano com danos causados pelo uso inadequado de medicamentos”.
O CFF ressaltou que, segundo dados do Ministério da Saúde, os casos de intoxicação aumentaram 23% entre 1993 e 1995, quando a venda dos MIPs foi permitida em supermercados. Na década seguinte, com a volta da comercialização exclusiva em farmácias, houve queda nos registros de intoxicação. Entre 2007 e 2009, a redução foi de 14%.
A entidade ainda repudiou qualquer medida que possa precarizar o trabalho farmacêutico e afirmou esperar que a consciência técnica e a ética prevaleçam na tomada de decisão.