Em apenas um ano, a ouvidoria do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania obteve um aumento de 143,5% no número de violações em escolas no país. O salto foi de 20.605 casos em 2022 para 50.186 em 2023. Minas engrossa as estatísticas, seguindo os estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Em 2023, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp/MG) chegou a registrar dez casos mensais a mais de lesão corporal e agressão, comparado com o mesmo período do ano anterior, chegando a 184 denúncias nas escolas mineiras, por mês. Para discutir o assunto, o Edição do Brasil conversou com Jéssica Gonçalves, advogada e gestora de métodos adequados de solução de conflitos.
Qual é a definição de violência nas instituições de ensino e quais formas ela pode assumir?
Violência nas instituições de ensino, conforme definição da Unesco, refere-se a qualquer ato de ação ou omissão que constitua agressão, coerção, dano ou abuso que ocorra no ambiente escolar, prejudicando a escola, a comunidade escolar ou qualquer de seus membros. Várias são as formas de manifestação, como violência física, psicológica ou moral; patrimonial; sexual; negligência; e bullying presencial ou virtual.
Quais são os desafios enfrentados pelas escolas para identificar e relatar casos de violência de maneira eficaz?
É uma situação multifacetada, o que impõe entendermos que além de múltiplas causas, inúmeros serão os desafios para tratar de forma adequada. Podemos destacar a subnotificação e estigma, falta de formação e capacitação, pressão institucional e questões administrativas, falta de comunicação, cultura escolar, falta de diversidade e inclusão. Para superar esses desafios, é fundamental que as escolas implementem políticas claras, ofereçam formação contínua para os funcionários, estabeleçam canais de comunicação eficazes e promovam uma cultura de abertura e apoio.
Como as redes sociais e a tecnologia estão impactando a violência escolar, tanto positivamente quanto negativamente?
Em tempos de cibercultura, hiperconectividade, excesso de informação é inegável a influência que as redes sociais desempenham nas relações humanas e nas expressões de violência. Podemos citar, como positivo, a democratização de oportunidades de aprendizado, comunicação e socialização. Por outro lado, a internet e as redes sociais podem impactar negativamente o ambiente escolar em diferentes perspectivas, tais como: cyberbullying, exposição a conteúdos violentos, pressão de grupo e comportamento de manada e facilidade de planejamento de ações violentas.
Há relação entre o ambiente socioeconômico e os níveis de violência nas escolas?
É importante tratarmos esse assunto com cuidado e seriedade para não corrermos o risco de perpetuar discursos preconceituosos ou que favoreçam a criminalização da pobreza. O que se pode inferir dos dados e análises é que as crianças e adolescentes que se encontram em estado de vulnerabilidade socioeconômica estão mais suscetíveis a sofrerem mais violência, muito em razão de sua situação de desigualdade social. Por outro lado, quando o assunto se limita a violência do bullying, os dados indicam que jovens com melhores condições socioeconômicas ocupam a posição do agente agressor na maioria das vezes.
Qual é o trabalho das Práticas Restaurativas Educacionais no enfrentamento desse problema?
As práticas restaurativas são por definição teórica e legal um método adequado de se tratar um conflito, notadamente, um ato violento. Propõe, dentre seus princípios e metodologias próprias, a criação de um espaço seguro, confidencial, respeitoso, de diálogo, escuta ativa e acolhimento para que situações conflituosas possam ser resolvidas de forma colaborativa e dialógica por todos os afetados pelo conflito, capacitando todos os membros da comunidade escolar em práticas e métodos restaurativos, envolvendo famílias, estudantes e todos os profissionais da educação.