Home > Destaques > Lei de Cotas para inclusão de deficientes ainda é menosprezada no mercado de trabalho

Lei de Cotas para inclusão de deficientes ainda é menosprezada no mercado de trabalho

Das pouco mais de 700 mil vagas reservadas a PCDs, apenas 53% estão ocupadas / Foto: Adobe Stock

No dia 24 de julho a Lei de Cotas, um marco para as pessoas com deficiência, completou 31 anos. Criada no início dos anos 1990, a norma jurídica 8.213/1991 estabelece um percentual obrigatório de 2% a 5% de contratação de pessoas com a condição em organizações com 100 ou mais colaboradores. No entanto, muitas fazem a inclusão destes cidadãos exclusivamente para cumprir a lei.

Na prática, dados mais recentes de 2019 de um levantamento do Cumprimento da Cota para Pessoas com Deficiência e Reabilitados, do Portal da Inspeção do Trabalho, indicam que das pouco mais de 700 mil vagas reservadas a PCDs em administração e empresas públicas, sociedades de economias mistas e empresas privadas, apenas 53% delas estão ocupadas. Para analisar a questão, o Edição do Brasil conversou com Cíntia Santos (foto), psicóloga e coordenadora de projetos do Instituto Ester Assumpção.

O que a empresa deve observar ao fazer entrevistas e testes com candidatos com deficiência?
O primeiro ponto é realizar todas as etapas do processo seletivo em local acessível. Embora pareça óbvio, não são raros os relatos de candidatos que passaram por algum tipo de constrangimento devido às dificuldades de chegar aos locais em que serão realizadas as entrevistas. Isso também se aplica ao ambiente on-line. Embora tenhamos avançado na questão digital, muitas ferramentas ainda não são totalmente acessíveis a todos os tipos de deficiência. Por isso é importante que o selecionador, quando fizer o primeiro contato com o candidato, converse com ele sobre quais recursos de acessibilidade ele necessita, para que assim, possa se organizar adequadamente.
Outro cuidado que se deve ter é em relação aos critérios de seleção. Muitas empresas fazem “recrutamento de deficiências” e não de pessoas. Ou seja, ficam focadas em qual deficiência “encaixa ou não” nos seus ambientes e esquecem de avaliar o indivíduo como um todo. É preciso lembrar que cada ser é único e desenvolve estratégias diferentes para lidar com as limitações advindas da própria deficiência.

Neste caso pode ser exigida experiência?
Essa é uma questão controversa. De forma geral, a Lei nº 11.644/2008 acrescenta à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) um artigo que impede a exigência de comprovação de experiência prévia por tempo superior a 6 meses para qualquer trabalhador com e sem deficiência. Mas é preciso lembrar que, antes de se instituir a obrigatoriedade legal da contratação de pessoas com deficiência, poucas eram as empresas que adotavam a prática, o que resultava numa desigualdade de oportunidades entre trabalhadores com e sem deficiência.
Recomenda-se que não seja exigida experiência de trabalhadores com deficiência. Quando for efetivamente necessário ao desempenho da função, a própria empresa deve oportunizar que a pessoa adquira internamente as habilidades, a postura de trabalho e os conhecimentos determinados para o exercício de certos cargos.

Que outras atitudes podem ser adotadas para facilitar a contratação de profissionais com deficiência?
Na experiência do instituto com as empresas, um dos pontos cruciais para a contratação e retenção de trabalhadores com deficiência é pensar a inclusão como uma ação estratégica. Isso implica o envolvimento dos diversos setores da empresa e não somente o Recursos Humanos. Assim, é indicada a elaboração de um plano, com cronograma de ações, setores envolvidos e previsão de investimentos. Além disso, é necessário investir no treinamento e sensibilização das equipes, além de promover a acessibilidade em todas as suas dimensões (arquitetônica, atitudinal, tecnológica, etc). Investir em qualificação profissional dos contratados também é um grande diferencial.

Quais são os principais cuidados que a empresa deve ter durante o processo seletivo?
É preciso analisar as ferramentas tradicionalmente utilizadas na seleção e suas possibilidades de adaptação, como uso de softwares especiais, contratação de tradutores/intérpretes da Língua Brasileira de Sinais (Libras) e produção de material adaptado.
Obviamente, há episódios em que as ferramentas não são passíveis de adaptação – como alguns testes psicológicos. Nesses casos, podem ser adotados procedimentos alternativos de avaliação. Hoje há uma infinidade de recursos de tecnologia assistiva que podem possibilitar que o candidato participe das etapas em igualdade de condições com os demais.

Onde podem ser encontrados esses candidatos?
Além dos meios tradicionais, como site de currículos, Sistema Nacional de Empregos (Sine), a empresa pode divulgar junto a associações de pessoas com deficiência, setor de reabilitação profissional do INSS, escolas públicas, Centros de Referência em Assistência Social (Cras/Creas), e outros órgãos especializados. O instituto, por exemplo, dispõe hoje de uma plataforma digital – o Portal Rede Ester – na qual a empresa pode divulgar gratuitamente suas vagas disponíveis.

O que deve ser analisado para a integração desse empregado no ambiente de trabalho?
É preciso difundir informações sobre o tema e desmistificar a imagem do trabalhador com deficiência como alguém que só é contratado para “cumprir cota”. É necessário conscientizar os demais colaboradores sobre o potencial produtivo das pessoas com deficiência e que todos têm os mesmos direitos e deveres junto à empresa. O tratamento diferenciado acontecerá, quando necessário, e restrito à construção de condições de trabalho que permitam a esse profissional explorar todo seu potencial.