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Violência policial traz debates sobre racismo estrutural e classicismo

País teve ao menos 6.133 mortes cometidas por policiais da ativa no ano passado | Foto: Pixabay

Dados inéditos de um levantamento exclusivo feito pelo G1 dentro do Monitor da Violência, em parceria com o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostram que mais de 6 mil pessoas foram mortas por policiais civis e militares no Brasil em 2021, uma média de 17 óbitos por dia. Já o número de policiais assassinados foi de 183 casos registrados no ano passado.

Esses índices, apesar de ainda elevados, apresentaram queda se comparados com 2020. O país teve ao menos 6.133 mortes cometidas por policiais da ativa no ano passado, contra 6.424 em 2020. Já a taxa de policiais assassinados também teve redução de 17%, tendo alcançado 221 ocorrências em 2020.

No entanto, ainda presenciamos casos como o de Genivaldo de Jesus Santos que, em maio, morreu após abordagem realizada por policiais rodoviários federais no município de Umbaúba, litoral Sul de Sergipe. Os agentes usaram bombas de gás lacrimogêneo para o dominar, causando óbito por insuficiência aguda secundária a asfixia, conforme constatou o laudo do Instituto Médico Legal (IML).

Para discutir sobre a violência policial, o Edição do Brasil conversou com José Luiz Quadros, doutor e docente em programa de pós-graduação em Direito da PUC Minas.

Por que a população negra e pobre são as principais vítimas de mortes e abordagens violentas pela polícia?
O Brasil nasceu escravagista, ou seja, foi construído por uma lógica binária do homem branco, civilizado, superior e que subalterniza os demais indivíduos. Isso repercute na nossa colonização e na nossa independência, construindo uma ordem jurídica para esses indivíduos. A constituição de 1824 era liberal e monárquica e garantia direitos apenas para homens brancos e ricos. Isso vem desde o início do Brasil até hoje. Basta verificarmos quem são os atuais deputados e senadores brasileiros, a esmagadora maioria será esse perfil. Além disso, quem faz as leis penais do país e diz o que é legal e ilegal são eles. Logo, não serão presos, e sim os que são considerados como uma ameaça, ou seja, a população pobre e negra, que vem sendo exterminada há muito tempo.

Os problemas da violência policial no Brasil devem ser tratados como casos de caráter pessoal ou como uma questão estrutural?
É uma questão essencialmente estrutural desde o nascimento do país. Ele foi construído para pessoas brancas e ricas e isso não mudou. Logo, elas determinam as leis e isso explica toda essa violência contra a população negra e pobre e que precisa ser radicalmente transformada. Temos de construir uma democracia efetiva, melhorar o sistema jurídico e a polícia. Se é que vamos necessitar de polícia em uma sociedade justa e igualitária com espaço para todo mundo.

Em sua opinião, o treinamento que a polícia brasileira recebe atualmente tem resquícios da ditadura?
Sim. As Forças Armadas do Exército, Marinha e Aeronáutica existem e nelas as pessoas são treinadas para defender a soberania nacional e, em hipótese alguma, intervir em questões internas. Ou seja, a polícia militarizada é uma herança brutal de uma ditadura.

A polícia tem que ter uma equipe técnica, científica, de investigação e policiamento extensivo, assim como a de países como Canadá e Reino Unido. Sem quartéis, sem a hierarquia absurda de soldado, cabo, sargento, tenente, capitão, major, coronel, que determina internamente, inclusive, o desrespeito dos próprios policiais e que saem desrespeitando o direito dos cidadãos na relação com a sociedade. Precisamos de uma reforma da polícia urgente. As Forças Armadas são treinadas para matar, enquanto a polícia deveria proteger a vida e servir aos cidadãos e não ameaçá-los.

Para você, o Estado usa a instituição “polícia” para preservar a ordem pública ou manter um controle sobre as classes sociais mais baixas e favorecer as elites?
Para fazer esse controle das classes mais baixas. As polícias, em especial as militares, servem e protegem as elites e oprimem, diariamente, os cidadãos mais pobres. Lembrando aqui que, nos bairros de classe média alta, também há pessoas envolvidas com o crime, talvez até em maior número do que nos com menor poder aquisitivo. Na verdade, o que muda é o tipo de delito, em vez de furtos, roubos, no caso das imediações de classe média alta, temos sonegação fiscal, corrupção ativa, passiva e crimes de alto poder.

Quais medidas seriam cabíveis para a diminuição da violência policial contra a população e, também, das mortes e suicídios de policiais?
Precisamos construir outra sociedade, com a existência de um Estado forte que ofereça saúde, educação, segurança, renda e políticas de moradia.

A gente precisa de democracia, que só é possível num espaço público. E o discurso de privatização é de um equívoco brutal, porque ignora a realidade e causa ainda mais exclusão, miséria, fome e violência.

Hoje, vemos pessoas abastadas enriquecendo mais, chegando a um absurdo de ter um trilionário no planeta que tem mais dinheiro que a esmagadora maioria dos países do mundo e isso não tem um pingo de racionalidade e justificativa. Estamos vivendo em uma sociedade delirante e desigual e precisamos transformar isso, mas, primeiro, as pessoas necessitam começar a entender o que está acontecendo.