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Mobilidade urbana: um grande desafio para as cidades brasileiras

Márcio D’Agosto: “Esse crescimento contínuo uma hora vai saturar e não vamos ter como colocar mais veículos nas ruas” | Foto: Arquivo pessoal

Márcio D’Agosto

Trânsito congestionado, ônibus lotados, muitos carros nas ruas, sem falar no tempo gasto ao volante para se locomover. Esses são alguns dos problemas enfrentados pelas grandes cidades. E, para piorar, a qualidade do serviço de transporte público também não agrada a população. Um estudo recente, com o objetivo de contribuir com órgãos públicos e privados na busca de soluções e iniciativas para a mobilidade urbana, analisou o comportamento do brasileiro na internet sobre esse assunto. A equipe verificou quase 400 mil menções nas principais redes sociais.

O resultado chama atenção e mostrou que 4 em cada 10 brasileiros rechaçam o transporte público e incentivam o uso de veículo próprio. A cada 10 comentários sobre o tema, 6 são de alguém manifestando desejo de comprar um carro. Além disso, o estudo apontou que 58% dos internautas analisados afirmam que o maior problema do transporte público é a lotação, seguido pelos congestionamentos, com quase 14%.

Para tentar entender os dados e a dificuldade em sanar o problema da mobilidade, o Edição do Brasil conversou com Márcio D’Agosto, professor de Engenharia de Transportes da Coppe/UFRJ.

Por que o transporte coletivo ainda é precário?
Por uma série de motivos nós acabamos utilizando muito o transporte coletivo por ônibus. Em algumas situações esse não é o melhor modo de condução, porque não consegue levar uma grande quantidade de pessoas. Por mais que existam serviços como vias exclusivas, você acaba não conseguindo dar um serviço de qualidade e conforto para o usuário, como daria nos meios de maior capacidade como trens e metrôs. Essa superlotação acontece porque não é possível casar a oferta de lugares com a demanda de viagens. Então, o sistema, em determinados horários, está muito cheio e o passageiro não consegue embarcar. Além disso, fora do horário de pico, o sistema de transporte coletivo anda com espaços vazios, o que acaba encarecendo a passagem. E como o poder público não subsidia a tarifa, acaba oferecendo para a população um serviço de qualidade mediana de operação.

Por que a passagem sobe e o serviço continua ruim?
Provavelmente, essa tarifa que pagamos não é um valor que cobre totalmente o serviço. Deveria ser subsidiada pelo poder público para termos um sistema de transporte melhor. O que normalmente faz ajustar o preço é a inflação ou majoração de custo dos insumos como combustível e manutenção da frota. Quando tem aumento não é para melhorar a operação, e sim para mantê-la em funcionamento e não piorar ainda mais.

O que pode ser feito em médio e longo prazo para melhorar?
Investir mais no transporte coletivo. Nas pequenas e médias cidades os ônibus têm que oferecer um serviço com veículos maiores e mais largos e com uma frequência de atendimento que não deixe a pessoa esperando por muito tempo no ponto. No caso de cidades que enfrentam altas temperaturas, eles têm que ter ar condicionado. Já os grandes municípios têm que investir em transporte de massa de grande capacidade como trens e metrôs. Isso é caro e tem um custo operacional alto, mas não tem outra forma de melhorar.

Quais as responsabilidades do poder público em relação à mobilidade urbana?
Todas. Inconstitucionalmente é o total responsável pelo transporte de passageiros e por garantir a mobilidade. Mas o poder público delega, por meio de concessão, para um terceiro que são as operadoras de serviço. Isso é complicado, porque também é preciso garantir a qualidade do serviço.

Os congestionamentos trazem algum prejuízo aos cofres públicos?
Indiretamente, sofremos com a perda de tempo e produtividade. Os trabalhadores produzem menos e chegam cansados no serviço. Aumenta também o consumo de energia e derivados de petróleo. Também sobe a emissão de gases poluentes na atmosfera, o que afeta a saúde do brasileiro. Tudo isso tem grande impacto nos cofres públicos. É uma espécie de efeito dominó.

O número de carros nas ruas não para de crescer. Qual é a consequência disso futuramente?
Esse crescimento contínuo uma hora vai começar a saturar e não vamos ter como colocar mais veículos nas ruas. Haverá engarrafamentos gigantescos onde os motoristas não vão conseguir mais trafegar.

Há como controlar o uso de automóveis na cidade?
Sim. É mais fácil quando tem um transporte público de boa qualidade, porque você consegue restringir o uso do automóvel por meio da redução da oferta de vagas do estacionamento, aumento do preço da vaga, encarecimento do combustível e colocação de pedágios em determinadas vias. Todas essas medidas pressupõem que a pessoa que precisa fazer o deslocamento procure outra opção que não o carro.

Rodízio de veículos é solução ou problema?
É uma solução que é facilmente contornada. As pessoas que têm um poder aquisitivo maior acabam adquirindo um segundo veículo capaz de rodar nos dias de rodízio. E pior do que isso, às vezes um carro velho que polui mais ainda. É uma saída pouco efetiva. Uma alternativa bem melhor é colocar pedágio na área urbana.