Já circula no Congresso Nacional uma primeira versão do substitutivo ao Projeto de Lei (PL) 7419/06, com a finalidade de alterar pontos fundamentais da Lei de Planos de Saúde de 1998. De autoria do deputado Hiran Gonçalves (PP-RR), o texto é provisório e ainda precisa ser submetido aos membros da comissão especial criada na Câmara. No entanto, o tema já alarmou organizações e pesquisadores da área de saúde.
Para discutir o assunto, o Edição do Brasil conversou com Ana Carolina Navarrete, coordenadora do programa de Saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). Segundo ela, a proposta contempla demandas antigas e extremamente prejudiciais aos consumidores defendidas pelas operadoras.
Quais as principais propostas do projeto?
Entre as medidas trazidas pelo texto, estão o fim da obrigação que as empresas têm atualmente de cobrir o tratamento de todas as doenças classificadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A proposta também cria mecanismos para aliviar as multas aplicadas às empresas em casos de negativa de atendimento e altera o Estatuto do Idoso para permitir reajustes de mensalidades após os 60 anos.
Segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), as operadoras acumularam lucros históricos. Não satisfeitas, agora querem emplacar uma agenda absolutamente anacrônica de redução das coberturas e desmonte da regulação em nome de uma falsa popularização do serviço. O texto preliminar do substitutivo é assustador, pois mostra que essa agenda empresarial foi abraçada pelos deputados sem qualquer consideração pelos usuários e pelo Sistema Único de Saúde (SUS) que, ao final, terá de abarcar todos os procedimentos considerados menos lucrativos pelas operadoras.
O texto prevê a separação dos planos ambulatoriais em duas modalidades. Como você avalia o impacto dessa medida?
Uma das mudanças mais drásticas previstas no texto é a separação dos planos ambulatoriais em duas modalidades – uma chamada de “complexa”, que seguiria cobrindo todos os procedimentos, e outra chamada de “simples”, que exclui explicitamente qualquer procedimento ambulatorial mais complexo, inclusive, tratamentos oncológicos, aplicação de medicamentos para mitigação de efeitos adversos, hemodiálise e diálise peritoneal.
O setor de saúde suplementar é altamente concentrado e teria poder para favorecer a oferta dos planos ambulatoriais “simples” em detrimento da modalidade “complexa”, tal como aconteceu com os planos individuais, que praticamente desapareceram do mercado por falta de interesse econômico das empresas.
O que aconteceria se esta modalidade estivesse em vigor?
Pacientes identificados com COVID-19, após uma consulta e um teste diagnóstico, teriam de arcar com os custos de um eventual tratamento. Segundo dados de 2021 da ANS, a diária de internação pela doença no Brasil teve um valor médio de R$ 1,9 mil entre janeiro e outubro de 2021. Quando houve necessidade de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), o valor saltou para R$ 4,3 mil.
Como ficariam os valores de multas em caso de negativa de cobertura?
Um dos pontos destacados pela organização é a redução do valor de multas que hoje são aplicadas às empresas em casos de negativa de cobertura. Se o texto for aprovado dessa maneira, as penalidades passariam a ser graduadas conforme a “complexidade” do procedimento ou atendimento em questão – o que pode incentivar uma prática já bastante generalizada, de deixar o usuário descoberto nos momentos de maior necessidade. Essa mudança nas regras também ampliaria o espaço para o questionamento das multas na Justiça.
O Estatuto do Idoso proibiu os planos de saúde de aplicarem reajustes às pessoas com mais de 60 anos. O texto pretende alterar essa regra?
Esse é outro problema apontado pelo Idec, que é a possibilidade de aplicação de um “reajuste parcelado” às pessoas idosas nas últimas faixas etárias. O Estatuto do Idoso, promulgado em 2003, proibiu os planos de saúde de aplicarem reajustes às pessoas com mais de 60 anos justamente para evitar os aumentos abusivos, que têm o objetivo de expulsá-las dos planos. O que as empresas fazem atualmente para contornar essa vedação é concentrar os reajustes nas últimas faixas etárias antes dos 60 anos. Essa é uma prática amplamente denunciada por entidades de defesa do consumidor.
Em lugar de resolver o problema, o substitutivo do PL 7419 altera o Estatuto do Idoso para permitir que o último reajuste tecnicamente possível, imediatamente antes dos 60 anos, seja fracionado nas faixas etárias superiores. Estaríamos, na prática, legalizando o abuso e referendando os aumentos inaceitáveis e discriminatórios aplicados pelas empresas às pessoas mais velhas.
O Idec tem acompanhado a tramitação do texto na Câmara?
O Idec vem acompanhando de perto as movimentações na comissão especial e atuando de maneira firme para impedir que os consumidores sejam prejudicados pelas operadoras nessa negociação. Nós exigimos saúde por inteiro para todos e a sociedade civil já deixou claro que nesta questão não cabem retrocessos. Precisamos proteger o direito de todos os consumidores de planos de saúde.