A pauta LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transgêneros e Transexuais) no Brasil conquistou alguns avanços nos últimos anos, mas a realidade da comunidade ainda está longe de ser perfeita. Isso porque o grupo segue sofrendo preconceitos, violência e perseguição apenas por conta da sua orientação sexual. Em 2020, segundo o Grupo Gay da Bahia (GGB), a mais antiga associação brasileira de defesa dos direitos LGBT no país, foram 237 vítimas da homotransfobia. Deste total, 224 foram homicídios (94,5%) e 13 suicídios (5,5%). Os dados preocupam e revelam que a cada 36 horas um LGBT brasileiro foi assassinado, confirmando o país como campeão mundial de crimes contra as minorias sexuais.
Para falar sobe o tema, o Edição do Brasil entrevistou o advogado Thiago Coacci, que é militante da causa desde os 15 anos e integrante da Comissão da Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/MG) de Minas Gerais.
Por que a LGBTfobia ainda é tão presente na sociedade?
A cultura do preconceito é uma coisa enraizada. Conseguimos algumas mudanças institucionais e conquistas nos últimos anos, por meio de decisões judiciais. Mas também é necessário modificar o pensamento das pessoas sobre a população LGBT, pois ainda veem o estilo de vida desse grupo como inferior ou uma forma não legítima de viver. Enquanto a nossa sociedade ainda for baseada na lógica da heterossexualidade e cisgeneridade, infelizmente, ainda teremos violência e discriminação. Criam expectativas e regras que são quebradas quando se deparam com outro modo de ser.
Como você avalia a criminalização da LGBTfobia?
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que criminaliza a LGBTfobia, foi um passo importante. Isso aconteceu em 2019, depois de várias reivindicações do movimento. No entanto, é necessário destacar que o parlamento ainda se recusa a aprovar uma lei específica de proteção LGBT. O papel dos deputados como representantes do povo não está sendo cumprido, o que mostra uma pobreza da democracia brasileira. Mas é um avanço porque passa a mensagem para a sociedade que esses comportamentos e violência não são mais tolerados e podem sofrer punições. Na prática, porém, existe uma dificuldade de fazer essa decisão do STF funcionar. Um dos principais é o preconceito dos policiais e funcionários do sistema de Justiça que, muitas vezes, se recusam a aplicar corretamente a legislação.
Qual a importância das paradas do orgulho LGBT?
Dar visibilidade ao tema, chamar atenção para a diversidade e pressionar a sociedade e o governo por respeito e mudanças. Ela traz a população para o diálogo em torno das diferenças sexuais e de gênero. Também é um espaço de acolhimento, quando milhares de LGBTs saem às ruas e podem ser quem são de verdade e perceber que não estão sozinhos nessa luta. A parada é uma grande festa, mas sem perder o seu lado político.
Por que o conteúdo LGBT ainda é tabu nas escolas?
Tem a ver com a lógica cultural da sociedade de ver a população LGBT como inferior, desviante e anormal. Noções que estão totalmente equivocadas. Está relacionado também com a atuação de alguns grupos religiosos que defendem como pauta moral o combate à ideologia de gênero. Porém, considero importante discutir o assunto dentro das escolas, justamente para evitar mais violência. Levar conhecimento de que a sua orientação sexual e identidade de gênero não devem ser motivo de discriminação.
Acontece também que muitos professores não estão preparados para promover essa discussão em sala de aula, pois não tiveram esse conteúdo em suas formações. Houve algumas tentativas de criar um material sobre o assunto, mas foi rejeitado e ficou conhecido como “kit gay”. Sem políticas públicas para estimular esses debates e formar adequadamente os profissionais da educação, é difícil que ocorram. De todo modo, acredito que os docentes devem buscar mais conhecimento sobre o tema por conta própria, afinal, não faltam materiais nos sites, jornais e revistas.
Qual o ambiente mais opressor: família, escola ou trabalho?
Todos esses locais são opressores e cada um tem a sua participação e intensidade. A família é o nosso primeiro contato e deveria ser nossa base de apoio e um local seguro, mas, muitas vezes, é o ambiente onde o LGBT tem mais medo de sofrer preconceito, assim como ser expulso de casa. A escola é onde crescemos, desenvolvemos e temos contato com os amigos. A criança fala sobre suas preferências e já começa a sofrer discriminação ou bullying. O espaço é importante para formação da nossa identidade e a violência vivida ali marca muito, inclusive, muitos evadem da escola por conta disso, principalmente as trans e travestis. Poucas conseguem terminar o ensino médio.
O mundo do trabalho também possui suas formas de discriminação. Para muitos, ser “profissional” é incompatível com ser LGBT, o que força vários indivíduos a se manterem no “armário”, com medo de não serem promovidos ou até mesmo demitidos. Além disso, muitas pessoas LGBT, principalmente as trans, por terem evadido da escola, têm com únicas oportunidades subempregos ou a prostituição.
Faltam dados estatísticos sobre a violência contra essa população?
Não tem uma quantificação exata, visto que o Estado não se interessa em produzir dados sobre o tema. Quem tem feito são os movimentos sociais por meios de notícias veiculadas em jornais. E certamente há uma subnotificação. Em Minas Gerais, desde 2016, os Registros de Eventos de Defesa Social (REDS) já contam com campos predefinidos para anotação do nome social, orientação sexual e de identidade de gênero. Também estão disponíveis opções de preenchimento de motivação do crime, incluindo o preconceito por orientação sexual. O problema é que essas informações não preenchidas nas delegacias, dificultam a produção de estatísticas.
O que mais pode ser feito para avançar em relação aos direitos LGBT?
Grande parte do progresso que tivemos veio do Judiciário. Nos últimos anos, o Executivo e o Legislativo foram e são um desastre, atuando contra os nossos direitos. O que falta é institucionalizar melhor esses direitos, transformar decisão judicial em lei e criar políticas públicas voltadas para esse grupo no Brasil inteiro, não apenas nas capitais, mas também nas cidades do interior. Podemos fazer isso por meio da democracia, elegendo candidatos LGBT atentos às causas, assim como trazer o tema para discussão em sociedade. Precisamos também promover uma mudança cultural mais ampla, de maneira que seja impensável discriminar o indivíduo por sua orientação sexual, assim como outras características. Hoje, parece absurdo matar uma pessoa por ser canhota, então por que parece aceitável matar apenas por ser LGBT?