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46% das mães brasileiras se sentem julgadas com frequência

Alimentar, limpar, apoiar, instigar, educar, prover sustento e cuidar da saúde física e emocional, tudo isso com muito amor, paciência e olhos atenciosos. É um desafio listar todas as funções atribuídas às mães, enxergadas como figuras divinas, mas julgadas, impiedosamente, ao menor descuido. Apesar de possuírem a difícil tarefa de criar um ser humano, a sensação é que alguém sempre acha que poderia fazer melhor. Um estudo da Ipsos, realizado em 28 países, mostrou que 46,3% das brasileiras convivem com o sentimento de terem sua maternidade julgada frequentemente.

“Já me senti julgada muitas vezes pela sociedade pela minha forma de maternar, pelas escolhas de vida e de carreira que fiz após a maternidade também. Existe uma pressão grande sobre nós. Se a mãe é mais paciente, é rotulada de permissiva. Se é firme, o rótulo é de autoritária. Se ela teve um tipo de parto, é julgada. Se teve outro, também. Se ela amamenta ou não, também julgam. Se deixa seu bebê com alguém ou em alguma instituição e volta a trabalhar após a maternidade, é criticada por deixar uma criança tão pequena com outra pessoa. Se faz uma pausa na carreira ou diminui o ritmo de trabalho para ficar com o filho, também é apontada por isso”, resume Mel Bracarense, psicóloga e mãe de dois meninos.

Mel conta experienciar o julgamento alheio na forma como lida com seus filhos. “Sou firme na criação, mas também procuro ser bastante gentil. Muitas vezes, quando eles eram bebês e choravam por alguma razão, sempre ofereci colo e conforto tentando perceber a criança. Nesses momentos, era frequente ouvir de pessoas próximas e até da família que era manha ou birra. Outro exemplo marcante aconteceu ainda antes do meu primeiro filho nascer. Trabalhava como gerente de Recursos Humanos em grandes empresas, quando fiquei grávida, me perguntaram se eu voltaria após a licença maternidade. Certamente, o pai não foi questionado sobre isso”, afirma.

Ana Vitória Lopes, assessora de imprensa e mãe de uma menina, também compartilha do sentimento. “A mulher, quando opta pela maternidade, é criticada pelas coisas que passa a abrir mão, como a carreira. Somos julgadas por sermos ‘só mães’ e muitas portas se fecham. Amigos que não estão vivendo a mesma fase se afastam, o mercado de trabalho vê a mulher como um ser invisível e, em muitos casos, as de primeira viagem abrem mão da profissão ou acabam empreendendo depois dos filhos”, conta.

Para Márcia Machado, empresária e influenciadora digital, a conta cobrada não fecha. “Somos analisadas o tempo inteiro. A sociedade espera que a gente trabalhe como se não tivesse filhos, ao mesmo tempo em que espera que nós exerçamos todas as funções da maternidade como se não trabalhasse fora. É humanamente impossível”, desabafa a mãe e madrasta que conta ser criticada, especialmente, por sempre viajar a trabalho.

Na avaliação da psicóloga Telma Gontijo, as pessoas julgam com facilidade porque vivemos em uma sociedade que enfatiza comportamentos padrões. “Se algo, de alguma forma, deu certo, fica estabelecido como regra. Contudo, o que muitas vezes deu certo para uma pessoa, não dará para outra. Com a maternidade não é diferente. Cada uma oferece o que tem ou o que suas condições propiciam, não há uma regra. É injusto fazer comparações entre realidades totalmente diferenciadas, a educação direcionada a um filho, muitas vezes, vem acompanhada de um contexto vivenciado, e é estruturado na medida em que a sua realidade comporta”, explica.

Para Márcia, esse cenário é resultado de uma sociedade patriarcal. “As pessoas condenam as mães porque ainda entendem que os filhos e os cuidados da casa são de responsabilidade da mulher. É preciso trazer os homens para o protagonismo da paternidade e dos afazeres do lar. Homem não é ajudante de mulher, pai não é ajudante de mãe”, diz.

A psicóloga concorda que o modelo patriarcal idealizado como padrão de família ideal contribui diretamente na isenção dos deveres paternos em relação à assistência afetiva, educacional e emocional dos filhos. “O genitor é visto ainda hoje como o provedor financeiro, mesmo que essa não seja a realidade. O fato é que já está enraizado na nossa cultura, que o pai pode se ausentar e até mesmo não participar na educação dos filhos, mesmo que os deveres financeiros sejam divididos entres os pais. Outro fator que contribui é a romantização da maternidade que alimenta a ideia que a mulher já nasce pronta para exercer esse papel sem grandes esforços. A idealização e a abdicação da mulher para se tornar mãe, mesmo diante das cobranças da vida moderna, alimentam o mito de que ela é perfeita e suficiente para os filhos”, avalia.

Ouvir mais, julgar menos
Para Telma, o primeiro passo para apoiar uma mãe sem um julgamento velado é ocupar um lugar de escuta. “Primeiramente, ter empatia e entender que ela pode estar em alguma situação problemática, conflituosa ou restritiva. Procure olhar além das situações. Esteja disposto a ouvir, muitas vezes, essa mulher precisa desabafar e dividir com alguém que esteja realmente interessado a escutar sua versão. Pergunte como pode ajudá-la. Às vezes, oferecemos recursos que não condizem com a realidade da mãe, portanto, saber dela o que poderia auxiliar nesse momento é a melhor maneira de ajudar”, diz.

Ana Vitória reforça a importância da empatia. “Entender como funciona o lado de cá, as noites mal dormidas, a própria cobrança que temos em relação a nós mesmas, compreender que a maternidade é linda, mas também nos devasta física e mentalmente. Temos medo de nunca mais reencontrar a mulher que ficou lá atrás e que espera novamente por uma chance de resgatar sua identidade. Quando o outro entende isso, ajuda a fazer com que possamos nos libertar dos nossos próprios julgamentos e nos liberta da ideia de que a maternidade é o fim da linha na vida da mulher. E é o contrário, para muitas, é só o começo”.