“As pessoas sentavam, começavam no tira-gosto e terminavam apenas no fim do dia. E essa é nossa essência, receber bem e do jeito que o mineiro gosta”, relembra Sandra Reis, assessora do restaurante Gamela, localizado no Santa Tereza, bairro que é uma das identidades da capital mineira. Hoje, a realidade do Gamela é outra: portas fechadas e mesas vazias. Assim como milhares de outros estabelecimentos do ramo alimentício. E o resultado de quase um ano e meio de “abre e fecha” é devastador: 71% dos bares e restaurantes do país afirmam ter dívidas, segundo pesquisa da Associação Nacional de Restaurantes (ANR).
De acordo com estudo, realizado em parceria com a consultoria Galunion e o Instituto Foodservice Brasil (IFB), do total de endividados, 79% devem para bancos, 54% estão com impostos em atraso e 37% têm débitos com fornecedores. Dos 650 empresários ouvidos, 29,2% têm dívidas totais que representam de 1 a 3 meses de faturamento mensal médio de 2020. Mas a maioria está em pior situação: 28,1% afirmam que o endividamento representa de 4 a 6 meses da receita, e 15% de 7 a 12 meses. Outros 19,4% têm dívidas que representam mais de um ano de faturamento.
Marcelo Rodrigues, empresário do setor de alimentação há 7 anos, era dono de dois restaurantes na capital. Um deles, localizado na Avenida Prudente de Moraes foi fechado de imediato, ainda em março do ano passado. Ele e a esposa continuam administrando o Paulista Grill, localizado no Carmo, região Centro-Sul de Belo Horizonte. O casal contava com uma equipe de 15 profissionais para atender, diariamente, cerca de 400 pessoas. Hoje, são apenas três funcionários.
“Obtivemos dois empréstimos que nos sanaram por um momento. Eles serviram para quitar saldos negativos, débitos com fornecedores e, principalmente, acerto de todos os trabalhadores. Sempre tivemos em mente que funcionário jamais poderia deixar de receber, assim como nossos fornecedores. Eles são nossos principais ativos. Desde então, sobrevivemos um mês de cada vez. Desde o dia 20 de março do ano passado, nós não tiramos nenhum centavo do restaurante, ele apenas se mantém. Vivemos da minha aposentadoria e do aluguel de um apartamento. Tivemos que vender um carro e um lote. Nossa esperança é o retorno da economia com o avanço da vacinação”, resume Rodrigues sobre o que viveu como empresário no último ano.
Ele conta que o delivery, apontado como possível salvação, também é um desafio. “Essa modalidade foi importante para o negócio não morrer, mas trabalho com entrega própria e não com aplicativos, porque acho um absurdo o que as plataformas cobram e não acredito no serviço que eles entregam”, diz.
Sandra concorda. “O delivery nunca foi nosso forte, justamente porque nosso DNA está em receber e ter um bom atendimento. Não tínhamos delivery estruturado, as grandes empresas de entrega cobram taxas que não conseguimos atender. Para trabalhar com plataformas como iFood e Rappi precisaríamos aumentar nosso preço e não atender nosso público. Então, essa modalidade nunca conseguiu suprir nossas necessidades, era mais um quebra-galho”, relata.
Hoje, o Gamela, restaurante que nasceu de um sonho familiar, luta para sobreviver com a ajuda de uma vaquinha on-line. “As principais dívidas são de fornecedores e, principalmente, aluguel e energia elétrica. A Cemig não aceitou negociação em nenhum momento. A única opção que eles oferecem é parcelamento em cartão crédito, mas isso não era possível, pois precisamos dele até para nossas necessidades básicas. Houve momentos, inclusive, de ficarmos sem energia elétrica. O aluguel conseguimos negociar e, só por esse motivo, não fechamos. Mas, não pagamos tudo ainda”, conta Sandra.
Setor abandonado?
Para os empresários, a sensação é de que o setor foi abandonado. “Não tem como não responsabilizar o poder público. Entendemos perfeitamente que estamos numa pandemia e que fechar é a saída para evitar a propagação do vírus, mas eles não podem nos deixar à própria sorte. Como não tínhamos funcionários, por sermos uma família, milagrosamente conseguimos sobreviver. Mas, a grande maioria dos pequenos negócios fechou. Precisávamos de suporte governamental para passar por isso e não houve. A sensação é ‘fecha e se vira’”, lamenta Sandra.
Paulo Solmucci, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), avalia diferente. “Não acho que o setor foi abandonado à própria sorte. Acredito que faltou diagnóstico correto e na hora certa. Em relação aos estados e municípios, nunca fomos chamados à mesa em processos de decisão, como ocorreu, por exemplo, na Europa. Lá, no mesmo momento em que os estabelecimentos eram fechados já havia programação de recursos. Tivemos ajuda do governo federal que, em 15 dias, anunciou o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm), que permitiu suspensão e redução de contratos”, afirma.
Na avaliação de Solmucci, o erro do governo federal foi acreditar que a pandemia acabava em dezembro do ano passado. “Não houve renovação do decreto de calamidade pública e as políticas se encerraram. O BEm só voltou agora, ficamos 4 meses prejudicados perdendo funcionários e capitais de giro. Estive com o presidente da República em janeiro e, na ocasião, ele me disse que teríamos as medidas em 15 dias. Elas demoraram e isso trouxe enormes prejuízos para o setor”. diz. Apesar disso, ele acredita em um segundo semestre positivo. “Nossa expectativa é que, a partir de julho, vamos estar muito próximos do faturamento de julho de 2019”.