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Uso de cannabis medicinal avança no tratamento da fibromialgia, mas custo e burocracia impedem acesso

A Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR) descreve a fibromialgia como uma síndrome que se caracteriza, principalmente, pela dor no corpo todo. De acordo com a cartilha da entidade: “Muitas vezes fica difícil definir se a dor é nos músculos ou nas articulações. Os pacientes costumam dizer que não há nenhum lugar do corpo que não doa. Junto com o desconforto, surgem sintomas como fadiga, sono não reparador (a pessoa acorda cansada, com a sensação de que não dormiu) e outras alterações como problemas de memória e concentração, ansiedade, formigamentos, dormências, depressão, dores de cabeça, tontura e alterações intestinais”. A estimativa é que o mal acometa cerca de 2% a 8% da população mundial.

Para tentar conter o combo de dores, o tratamento convencional inclui anticonvulsivantes, analgésicos, relaxantes musculares, antiinflamatórios, opióides e medicamentos para melhorar a qualidade do sono. “Muitas vezes, os tratamentos medicamentosos tradicionais aliviam alguns sintomas, mas não todos, não devolvendo ao indivíduo uma boa qualidade de vida. Além disso, eles podem causar efeitos colaterais indesejáveis que chegam a impedir a continuação, como sedação excessiva, ganho de peso e distúrbios sexuais”, explica a médica, especialista em dores crônicas e adepta à medicina canabinóide, Maria Teresa Jacob.

Membro da Sociedade Internacional para Estudo da Dor (IASP) e da Society of Cannabis Clinicians (SCC), Maria Teresa acompanha os avanços e estudos na área há quase 30 anos. Um deles, chamado de “Segurança e eficácia da cannabis medicinal na fibromialgia” publicado na Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos, mostrou que a cannabis medicinal proporcionou melhora significativa na intensidade da dor de 81,1% dos 367 pacientes acompanhados, o que comprova o efeito analgésico da planta.

No Brasil, um ensaio clínico promovido pela Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal (Amame), publicado na revista científica Pain Medice, da Universidade de Oxford, é mais uma das pesquisas que corroboram a eficácia do canabidiol (CBD). Os autores monitoraram 17 mulheres, fibromiálgicas e pacientes de um posto de saúde da Atenção Primária do Sistema Único de Saúde (SUS) de um bairro de baixo perfil socioeconômico de Florianópolis (SC), que fizeram uso de óleo CBD. A conclusão foi que “os fitocanabinoides podem ser uma terapia de baixo custo e bem tolerada para reduzir os sintomas e aumentar a qualidade de vida dos pacientes com fibromialgia”.

“Em outros casos de dor crônica, a cannabis pode ser utilizada como coadjuvante de tratamento, atuando em diferentes sintomas, diminuindo ou até eliminando alguma medicação tradicional. Na maioria das vezes, os efeitos colaterais são leves ou moderados e costumam ocorrer no início do tratamento até a dosificação ideal para o paciente. Normalmente, não existem restrições ao uso de CBD”, esclarece Maria Teresa.

Apesar dos benefícios e alívios comprovados, existem barreiras significativas no acesso ao tratamento canabinóide. “Os produtos de qualidade são adquiridos através de importação. A pessoa deve procurar um médico com experiência em prescrição de cannabis medicinal. Com a receita em mãos, o paciente preenche um processo de importação de produto à base de canabidiol no site da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Em aproximadamente 7 a 10 dias, ele obtém a liberação e pode efetuar a compra do medicamento on-line”, afirma Maria Teresa. Os preços da importação variam e podem chegar até R$ 3 mil por frasco.

Outra forma é ser membro de associações, como a Associação Brasileira de Apoio Cannabis e Esperança (Abrace), que receberam da Justiça brasileira autorização para cultivar plantas ricas em CBD e THC para fins medicinais. Neste caso, é necessário reunir receita, laudo médico, documentos pessoais, termo de ajuizamento, pagamento da taxa de anuidade e aguardar o retorno da associação.

Em grupos de redes sociais de fibromialgia é comum encontrar pacientes que, desesperados pela dor e pelas consequências da doença, arriscam comprar óleos canabidiol de fornecedores sem autorização e sem controle de procedência. “Eu me sentia inútil, desempregada e pedindo socorro para todo mundo. A pior coisa para mim era ser chamada de preguiçosa, mas eu não tinha condições de trabalhar. Depois de uma crise terrível de 15 dias seguidos, mesmo vivendo à base de analgésicos fortes, eu comprei o CBD de um fornecedor e larguei todos os remédios de farmácia. Eu não me arrependo e só quem nunca sentiu as dores que eu senti, acha que pode me julgar”, relata uma paciente, de 48 anos, que terá a identidade preservada.

Também são encontrados casos de pessoas que concluíram todas as etapas e tomam o CBD com devido acompanhamento médico. “Eu faço uso há duas semanas e os efeitos terapêuticos são visíveis desde o início, mas fica melhor depois de 20 dias, segundo a minha reumatologista. Sinto menos dores, cansaço, fadiga e estou mais ativa e funcional. Não tive nenhum efeito colateral até agora, também é bom que não ataca o fígado, porque já tive problemas com o remédio convencional. Daqui uns meses, é possível que eu possa fazer o desmame de alguns remédios. Mas não indico ninguém a comprar sem orientação médica, apenas eles sabem qual a dosagem correta para os sintomas de cada um”, conta a bancária e fibromiálgica Shirley Fagundes.

Para Maria Teresa, o caminho para ajudar os pacientes de fibromialgia e outras doenças passa pelo combate ao preconceito com a cannabis. “Não só profissionais da saúde, como também da população e órgãos governamentais demonstram um pré-julgamento. Só conseguiremos mudar este cenário por meio da desmistificação da cannabis medicinal, que já era utilizada com esta finalidade há 4 mil anos antes de Cristo. Hoje, sabe-se que ela atua no maior sistema do organismo responsável pelo equilíbrio orgânico, o endocanabinóide, restabelecendo assim a saúde nos mais diferentes órgãos e tecidos”, conclui.