O distanciamento social é a única medida eficaz para conter a propagação da COVID-19, além de manter os hábitos de segurança como usar a máscara e álcool em gel. No entanto, após meses em confinamento, as pessoas já não seguem com tanto afinco as medidas de segurança. Basta andar pelas ruas e ver que a quantidade de gente transitando aumentou consideravelmente. O fato é que ficar em casa é um desafio para a maioria dos cidadãos. Para entender por que é tão difícil cumprir o distanciamento, o Edição do Brasil conversou com Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).
Como o distanciamento social mexe com o emocional do indivíduo?
A crise sanitária tem um sério impacto na saúde mental da população. Desde março, alertamos para o surgimento da 4ª onda, a de consequências da COVID ligadas à saúde mental da sociedade.
Desde o início da pandemia, temos 3 cenários possíveis relacionados às doenças mentais: pessoas que nunca tiveram nenhum sinal de patologia mental e começaram a apresentar sintomas; pacientes que já haviam recebido alta médica podem retornar ao consultório com recidiva do mal; e pacientes que ainda estão em tratamento podem ter os seus sintomas agravados devido à pandemia.
E no que diz respeito às questões físicas, como as pessoas reagem?
Doenças psiquiátricas também apresentam sintomas físicos. Eles são individuais e dependem de muitas circunstâncias, mas nos transtornos ansiosos existem alguns mais comuns como: dor de cabeça, tremores, insônia e etc. Assim como nos depressivos, que podem surgir dores no corpo, mudanças no apetite e no sono. Mas é importante deixar claro que nem todos os pacientes apresentam esses indícios e todo atendimento deve ser individualizado.
É importante esclarecer que estar conectado socialmente com outras pessoas é considerado uma necessidade humana essencial para o bem-estar e a sobrevivência da nossa espécie. Por isso, o estresse causado pelo distanciamento social pode trazer problemas sérios à saúde, tanto mental quanto física.
Por que é tão difícil cumprir a quarentena?
A explicação é científica. Podemos dizer que os mecanismos de alerta do corpo humano, especialmente os cerebrais, entram em colapso depois de um tempo de isolamento, ou seja, de privação, e não conseguimos mais racionalizar. Nosso sistema cerebral faz grandes esforços para a adaptação de situações novas e indesejadas, porém quando somos obrigados a fazer isso por muito tempo, esse mecanismo entra em falência. Vale lembrar também que o medo imediato é um limitador, quando ele some, a tendência é que as pessoas comecem a voltar para a vida “normal”. É importante lembrar que as medidas de distanciamento são fundamentais para que os números da pandemia não sejam ainda maiores e colapsem o sistema de saúde, provocando uma maior taxa de mortalidade no país além dos números que já temos hoje.
Dados estatísticos divulgados pela imprensa sobre queda no número de casos e óbitos ajudam a furar o isolamento?
Esses dados apenas ajudam a reforçar a falsa sensação de segurança à população, a ideia de que a vida pode voltar a seguir o seu curso normal. No entanto, isso pode gerar muitos transtornos, já que servirá de impulso para que as pessoas, que já procuram um motivo para sair, passem a se aglomerar, muitas vezes sem tomar as devidas precauções, o que acarretará no aumento do número de casos, provocando uma nova onda de contágio, como vem acontecendo em muitos países da Europa.
Navegar nas redes sociais e ver pessoas aglomeradas nas praias, bares, festas também contribui com isso?
Assim como no caso de queda no número de óbitos e infectados, imagens de indivíduos vivendo a vida normalmente reforçam a falsa sensação de que está tudo voltando ao normal. As pessoas já sentem certa impaciência e ansiedade por estar isolado em casa há muito tempo, tendem a ignorar o medo imediato e passam a voltar à rotina normal.
Como dito anteriormente, o corpo humano tem mecanismos de alerta, especialmente cerebrais, para enfrentar situações de perigo, como o risco de contaminação pelo coronavírus, só que depois de um tempo prolongado, expostos a uma situação adversa, eles podem colapsar e o que era ameaçador, vai deixando de ser visto assim. É como se as pessoas desligassem o aviso para tomar cuidado.
Quem mora em comunidade sofre mais?
A situação dos moradores de comunidade é a mais delicada, pois é praticamente unânime entre os especialistas da área da saúde do mundo inteiro ações efetivas no combate ao novo coronavírus, como: ficar em casa, lavar as mãos constantemente com água e sabão e higienizar objetos com álcool 70%. No entanto, são essas pessoas que precisam sair para garantir a renda da família e a única opção é um trabalho que não pode ser feito dentro de casa. Ou, ainda, não há água e sabão disponíveis para a higiene necessária. Essas regiões são as mais vulneráveis devido à falta de garantia de direitos básicos da população, como acesso a água, saneamento básico e moradia digna.
Os idosos são os que têm mais dificuldade de ficar em casa? Quais as razões?
A solidão é uma realidade na terceira idade e o isolamento social configura parte do problema, provocando sintomas como ansiedade, preocupação, medo e irritabilidade. Uma pesquisa recente da Universidade de York concluiu que a solidão aumenta em 29% o risco de doenças coronarianas e em 32% o de acidentes vasculares. Outra pesquisa, publicada na revista especializada Perspectives on Psychological Science, comparou estatísticas de mortalidade e constatou que a solidão é tão prejudicial à saúde quanto fumar 15 cigarros por dia.
Por isso, é fundamental ter empatia com as pessoas mais velhas. Para que eles mantenham uma rotina saudável, é importante ligar para eles e fazer chamadas de vídeo para diminuir o sentimento de solidão. Se o familiar estiver perto, conferir se os remédios têm sido tomados e que não faltem, além de envolvê-los em atividades diárias para que o tédio e a tristeza não se tornem sentimentos comuns.
A sociedade perdeu ou nunca teve senso de coletividade?
Eu sou otimista e acredito no ser humano. Mas estamos vivendo tempos difíceis, a nossa geração nunca tinha passado por algo tão grave em questão de saúde, não sabemos como agir e, por isso, o nosso senso de coletividade sofreu com essa mudança drástica também. Acredito que sairemos melhor depois dessa pandemia.