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#DefendaOLivro

Lá se vão uns 40 anos e ainda não me esqueci da textura daquela capa, dos traços pretos ilustrando a história naquelas páginas tão brancas. O pequeno livro ganhado de presente de uma tia-avó marcou indelevelmente minha infância. Era uma história de uma indiazinha que viajava pelos rios a bordo de uma vitória-régia. As imagens mentais trazidas pela narrativa estimularam minha imaginação e despertaram em mim o interesse pelos livros e depois a paixão pela literatura. Nunca mais parei de ler.

Foi nisso que pensei quando li que o ministro da Economia, Paulo Guedes, quer acabar com a isenção tributária sobre os livros e taxá-los em 12%. De acordo com ele, são produtos da elite e, portanto, das pessoas que podem pagar mais. Ora, de acordo com matéria veiculada na Folha de São Paulo, na última Bienal do Livro no Rio de Janeiro, 72% do público presente foram de não brancos e 68% pertencem às classes C, D e E. Também no meu caso específico, posso dizer que sempre estive longe, mas muito longe de ser do grupo dos mais abastados.

A isenção de imposto sobre os livros existe no Brasil há mais de 70 anos. Foi escrita na Constituição de 1946. Depois, em 2004, uma lei isentou o produto também das contribuições do PIS e Cofins. Um dossiê do setor divulgado em 2016 pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) mostrou que a compra de obras literárias aumentou cerca de 30% naquele ano, comparado com 2006, apesar de o faturamento ter tido uma queda de 12,5%. Ou seja, com o livro mais barato, mais pessoas puderam comprar.

O aumento nas vendas coincidiu também com a expansão dos matriculados em cursos superiores no Brasil. Com a criação do Prouni, em 2005, a oferta de vagas cresceu mais de 60%, a maioria para jovens de baixa renda. Pode ser só uma coincidência, mas é de se imaginar que o aumento da escolaridade da população estimule a leitura. E vice-versa. Diferente do que pensa o ministro, que recentemente apareceu em uma live com uma estante vazia ao fundo, a prática é um importante instrumento de mobilidade social e econômica. São inúmeros os exemplos de pessoas que por meio da leitura romperam barreiras e construíram histórias de sucesso.

Ao dizer que pode taxar o livro por ser um produto de ricos, Paulo Guedes, além de demonstrar desconhecimento da realidade, revela sua face elitista. Não se preocupa e nem quer que o pobre leia. Não era para surpreender vindo de uma pessoa que no início deste ano, ao defender um patamar mais elevado do dólar, disse que com uma cotação baixa até mesmo empregada doméstica estava indo para a Disneylândia.

Não era para surpreender, mas ainda sim assusta. Como uma pessoa que ocupa tão alto cargo e é tão formalmente instruída pode desprezar tanto os livros e os leitores? Lembro-me de um ensaio publicado pelo escritor peruano Mário Vargas Llosa na revista Piauí uns anos atrás. Neste texto, ele dizia que a literatura é um denominador comum da experiência humana, graças à qual os seres vivos se reconhecem e dialogam. Dizia também que ninguém mais do que um bom romance ensina a ver nas diferenças étnicas e culturais a riqueza do patrimônio humano e a valorizá-las como uma manifestação de sua múltipla criatividade. Em outras palavras, a literatura nos humaniza e nos torna solidários. Talvez por isso esse governo se esforça para desestimular a leitura. Afinal, ascendeu ao poder com um discurso de ódio, estimulado pela intolerância política. E assim se mantém.

Se o ministro quer aumentar os impostos para os ricos e promover uma reforma tributária menos regressiva, por que não taxar com um imposto anual bens de luxo como jet ski, jatinhos particulares, iates e lanchas? Acredite: no Brasil, não existe um “IPVA” para esse tipo de bem.

De qualquer forma, a proposta ainda não foi aprovada. O mercado editorial tem feito uma grande mobilização nas redes sociais contra a iniciativa com a #DefendaOLivro. Ainda há esperança de que os deputados se sensibilizem e digam não a esse despautério. Hoje, mais do que nunca, diante de tanta intolerância e radicalismo, precisamos caminhar no sentido inverso. Temos que estimular a leitura e dar oportunidade para que crianças, jovens e adultos, de todas as classes sociais, se apaixonem pelos livros.

*Jader Viana
Jornalista e economista

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