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Unificar eleições por causa da pandemia enfraquece democracia

As eleições são consideradas o ponto máximo do exercício da democracia. É neste período que a população exerce seu poder de escolha, vota e elege seus representantes. Porém, devido à pandemia, o pleito de 2020, tem sido o centro de um debate: a votação deveria ser adiada ou, pior, cancelada e unificada com o processo eleitoral de 2022? O deputado Aécio Neves (PSDB-MG) é um dos defensores desta teoria. Ele apresentou uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) com a finalidade de realização de um único pleito em 2022 para escolha de prefeitos, vereadores, presidente, governadores, deputados federais e estaduais. Na visão do parlamentar, sem eleições este ano, os recursos do Fundo Eleitoral poderiam ser destinados para o combate ao coronavírus. De acordo com Marcelo Vitorino, consultor e professor de comunicação e marketing político, esse discurso é vazio e perigoso, uma vez que o processo deve ser preservado ao máximo para que não se abra precedentes de rupturas na democracia brasileira.

Quais os prós e contras da unificação das eleições?

O Brasil já teve eleições unificadas uma vez e isso não mostrou bons resultados. Dada essa experiência, preferiu-se separar novamente. O processo eleitoral não é feito junto porque nós temos um grande número de candidatos que devem ser escolhidos pela população. Por exemplo, em Portugal, as eleições são no mesmo ano, só que com uma no primeiro semestre e outra no segundo. No Brasil, fazer todos os candidatos se submeterem à escolha dos eleitores ao mesmo tempo seria asfixiar o debate eleitoral. Se, durante uma campanha presidencial, os governadores já têm menos tempo de exposição midiática, os deputados estaduais e federais sequer aparecem, imagina juntando esta eleição com a municipal. Toda a discussão dos vereadores ficaria completamente prejudicada. A proposta de unificação do ex-senador Aécio Neves não leva em consideração a democracia e o trabalho de supervisionar a votação em 5.700 municípios. Em 2020, teremos algo em torno de 600 mil postulantes, se você soma essa quantidade com os outros fica inviável para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) fazer a fiscalização. Então, esse discurso de redução de gastos não é plenamente legítimo.

Não é a primeira vez que políticos defendem a unificação dos pleitos. A quem interessa essa modificação no calendário eleitoral?

Sendo muito prático, os estadistas que defendem a unificação do processo eleitoral têm interesse em fazer com que outros políticos paguem as suas campanhas. O intuito não é o bem da democracia, mas sim um discurso personalístico de redução de custos para uma ou outra campanha. Só isso.

Eleição é algo sagrado em uma democracia. Qual é o problema de abrir um precedente de não termos votação em 2020?

O problema em protelar é que você cria justificativas para que isso aconteça em outros momentos da história. Portanto, se não há pleito baseado em um contratempo como a pandemia, pode também não ter eleição diante de uma ameaça de invasão a um país. Por exemplo, um presidente poderia, num ano eleitoral, justificar que não haveria clima para votação devido a um conflito com uma nação vizinha. Por isso, o processo democrático deve ser preservado ao máximo para evitar qualquer tipo de ato que o prejudique.

Uma das justificativas é de que a unificação baratearia o processo democrático. Há evidências disso?

O discurso da redução do custo eleitoral para unificação é bastante vazio. Não existe só a despesa das campanhas, tem também o de fiscalização do TSE. Além disso, aquele horário das redes de televisão e rádio para fornecer o programa eleitoral gratuito é fruto de renúncia fiscal e o custo disso não vai mudar. Se olharmos de uma forma prática, ao juntar vários pleitos no mesmo ano, a atenção do eleitor ficará mais cara, pois cada candidato vai ter que investir ainda mais para mostrar suas propostas.

Há exemplo de outros países em que as eleições são juntas?

Não existe em nenhum país democrático, com as dimensões do Brasil, eleições unificadas. Não podemos comparar o Brasil com Portugal, que tem o tamanho de um estado brasileiro. Portanto, se você pega países com dimensões semelhantes ao do Brasil, por exemplo, os EUA, não existe eleição unificadas. Austrália também não. Nenhum país com democracia forte existe eleição unificada. Esse é um experimento que o mundo já fez, abandonou e não quer mais saber fazer.

O Brasil já se tornou o epicentro da pandemia com recorde de mortes diárias. Como você vê o pleito acontecendo esse ano?

Dada à crise sanitária, as eleições no Brasil devem ter um pequeno atraso de cerca de um mês e meio, mas devem acontecer. Já era uma tendência natural que elas ficassem menos presenciais, de rua, e mais digitais. No pleito de 2018, por exemplo, candidatos usaram muito das redes sociais para promoverem suas ideias.O que vai ser preciso é uma mudança no entendimento dos profissionais de marketing e na cultura dos políticos tradicionais que terão que aprender um novo meio. Antigamente, dominavam a televisão e as ruas, agora precisam compreender as telinhas também.