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Pandemia e isolamento social têm afetado o sono da população

O cenário causado pela pandemia do coronavírus tem espalhado medo nos quatro cantos do mundo. A incerteza de quando tudo vai passar, o isolamento social e todas as consequências que a COVID-19 trouxe, tem deixado os brasileiros estressados. Tudo isso tem interferido diretamente no sono. Por aqui, antes da crise causada pela doença, 72% da população já sofria de algum distúrbio do sono e mais de 73 milhões já eram acometidos pela insônia.

Tem sido cada vez mais comum ver relatos de pessoas que não têm dormido bem à noite ou que estão tendo pesadelos e sonhos estranhos. A neurocientista e psicanalista Ângela Mathylde explica que a ciência entende que o sonho é a “faxina” do cérebro, ou seja, traz tranquilidade, tira os excessos e a sobrecarga das conexões cerebrais, diminuindo a ansiedade.

Ela acrescenta que se a pessoa não sonhar, as conexões são diminuídas e isso resulta em perda de foco, memória e aumento da tensão levando até a agressividade. “O pesadelo vem em uma organização do inconsciente para mostrar que o indivíduo está com medo, pânico, revelando aquilo que ele não consegue mensurar em palavras ou em sentimentos. É a capacidade de trazer para a minha reflexão que há alguma coisa errada”

Os sonhos, segundo a especialista, são uma subjetividade que usamos para tornar o planejamento uma coisa acessível. “Para eles existirem deve haver um planejamento, uma arquitetura humana. Quando a razão é conciliada com a emoção, nascem os sonhos”.

Ângela explica que não conseguir dormir faz com que a pessoa se sinta cansada. “Uma das características mais importantes da saúde mental é a higiene do sono. Porque se você consegue dormir, acorda renovado. O sonho dá condições de articular soluções, limpando tudo que está em excesso na mente”

Cansaço é o que a estudante Allana Soares tem sentido constantemente. Ela conta que só consegue dorme após as 3h da madrugada. “Acordo por volta das 13h e isso virou um ciclo. E piora porque tenho tido sonhos intensos, como um em que aconteceu numa antiga casa que morei e estava tendo uma festa na residência da frente. De repente, a comemoração se tornou uma disputa de quem conseguia matar a mim e a minha família”

Ela acrescenta que, constantemente, acorda, dorme novamente e volta para o mesmo sonho. Para Allana, isso é uma mistura de medo e falta de atividades. “Não estou gastando energia. Antes da pandemia, fazia caminhada, ia para academia e estudava. De repente, tudo parou. Fora a ansiedade de esperar o fim disso tudo, sem saber quando será”

A auxiliar administrativo Thayane Silva relata que os pesadelos têm se tornado sensações físicas. “Recentemente, sonhei que criava um chimpanzé e o deixei cair do segundo andar da minha casa. Chamei por ele e quando voltou se transformou em um samurai e começou a me enforcar. Acordei com falta de ar e parece que sentia as mãos dele em volta do meu pescoço”.

Para dormir melhor, ela conta que tem procurado músicas e mantras para relaxar no YouTube. Além disso, tem buscado a meditação para tentar acalmar corpo e mente antes de dormir. “Às vezes dá certo, mas confesso que, em algumas noites, o pânico que tudo isso está me causando, fala mais alto”.

Sono na prática

A neurocientista dá dicas práticas para a melhor o sono. “Primeiro, é preciso buscar a higiene do sono, ou seja, se preparar para dormir, se equilibrar para entrar no descanso. Desligar todos os eletrônicos, porque mesmo quando dormimos, a luz permanece ligada e impede a entrada no sono de qualidade, ou seja, o REM. A única conexão que deve ser feita é com nós mesmos”.

Ela acrescenta que o cuidado com a cama também é interessante. “A pessoa deve arrumá-la de forma acolhedora, com lençóis limpos, evitando bagunça e guardando tudo que está fora do lugar. A desordem não proporciona um sono tranquilo. A roupa é outro aspecto importante, porque muitas pessoas, devido ao isolamento social, têm ficado de pijama o dia inteiro. É interessante separar as roupas de acordo com atividade para estimular o cérebro no momento da troca de roupa a entender que é hora de dormir”

Um chá quente, leite ou até água podem ajudar na tranquilidade do pré-sono. A especialista elucida ainda que é de suma importância buscar equilíbrio. “A cama não é lugar para levar problemas. O ideal é trazer à memória aquilo que dá segurança, colocar uma música calma, orar ou meditar”.

A hora de acordar também é relevante. “O ideal é programar o despertador para a hora do trabalho ou dos afazeres, no horário normal de levantar, pois ajuda a lembrar de que estamos vivos e temos uma rotina. Se você está trabalhando home-office, levantar no mesmo horário espanta a ideia de que você está de férias, afastando também a tensão e a ansiedade. Viva a rotina normal e isso vai trazer alívio”.

Tire a pandemia do foco

É difícil, sabemos, mas Ângela destaca a importância de não darmos tanto foco à pandemia. “É preciso aceitar que os riscos são reais. É o momento de investir na autopreservação e no diálogo. É interessante estar em comunicação com pessoas que trazem conforto e procurar atendimentos psicológicos on-line no caso de ansiedade e pânico extremos. É crucial ter maturidade, buscando alívio mental de formas saudáveis. Às vezes, é preciso evitar a sobrecarga de informações, ouvindo o que damos conta de saber e ouvir”