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Setor de aço fecha ano com queda de 8,2%, mas projeta crescimento de 5,3% em 2020

O ano, que começou otimista, terminou com um balde de água fria para o setor de aço brasileiro. “A economia frustrou as expectativas daqueles que tinham esperança que houvesse uma retomada mais vigorosa”, resumiu, em coletiva à imprensa, o presidente executivo do Instituto Aço Brasil (IABR), Marco Polo de Mello Lopes.

O segmento, que já não ia bem, foi surpreendido na reta final do segundo semestre. O instituto, que representa 32 usinas, que empregam 108,4 mil pessoas e faturam R$ 99 bilhões por ano, declarou perplexidade com a declaração, via Twitter, do presidente americano Donald Trump de que iria elevar as tarifas de exportação sobre o aço fabricado no Brasil.

Como você avalia o ano de 2019 para o setor de aço?
O ano começou com uma tragédia monumental que chocou o país com mortes que não poderiam ter acontecido e que trouxe, de imediato, um impacto grande na indústria de aço, o que acabou por comprometer, de uma forma diferente para cada empresa, o abastecimento de matéria-prima estratégica, que é o minério de ferro. Foi um ano difícil para o setor, com um mercado interno deprimido e o internacional de cabeça para baixo, e também porque nós passamos a tratar com um governo novo. Os governos passados mudavam, mas a estrutura permanecia, seja no FHC, Lula ou Dilma, mas o governo Bolsonaro traz estruturas diferentes muito fortes. É só relembrar a fusão de quatro ministérios, do Planejamento, da Fazenda, da Indústria e Comércio e do Trabalho, e uma forma de atuar bastante distinta. Isso exigiu, por parte do setor, um trabalho de adaptação e de ocupação desses novos canais para tentar estabelecer essa interlocução fundamental.

Quais são os números do setor neste ano?
Os dados de 2019 são extremamente negativos, com a produção caindo 8,2%. As vendas tiveram queda de -2,3%, -6,7% de exportações, crescimento de importações de 2,1% e no consumo aparente -2,4%. Em linhas gerais, o primeiro semestre foi muito ruim, a economia frustrou as expectativas daqueles que tinham esperança que houvesse uma retomada mais vigorosa. Grande parte disso se deve a antecipação das paradas de manutenção em função da tragédia de Brumadinho que criou um abastecimento bastante complicado. Na época cunhei o termo “malabarismo logístico”, que foi o que permitiu que se continuasse a abastecer nossas usinas. Esse é o quadro que justificaria a queda de 8,2%.

Qual é o papel do setor para economia nacional?
O consumo de aço, desenvolvimento econômico e Produto Interno Bruto (PIB) são indissociáveis. Se olharmos os dados, eles comprovam o andamento da evolução da curva do PIB e do consumo aparente (parcela da produção industrial doméstica destinada ao mercado interno) para vermos que andam juntos. A estimativa é de que 89% dos movimentos do PIB podem ser explicados pelo movimento do consumo aparente de produtos siderúrgicos. A nossa percepção é que não existe país forte sem uma indústria de transformação forte e, dentro dela, está inserida a indústria de aço. Me arrisco a dizer que os governos mais recentes não priorizaram a indústria, apesar da imprescindibilidade do aço. O aço de forma visível, invisível, direta ou indireta está presente em tudo.

Qual o tamanho dessa indústria hoje?
São 32 usinas com capacidade de 51,5 milhões de toneladas de aço bruto por ano, produção de aço de 35 milhões de t/ano, mais de 108 mil empregos gerados pelo setor, um dado extremamente importante para os tempos atuais é de que o setor investiu US$ 26,6 bilhões de 2008 a 2018, ou seja, é um setor moderno. Isso sem receber nenhum benefício ou incentivo específico do governo.

Qual era a situação do setor no passado?
De 2013 a 2018, no caso das vendas internas, houve uma queda de 22% e no consumo aparente, no mesmo período, declínio de 24,3%. Essas variações são importantes para lembrar que essa é uma base comprimida e o otimismo precisa ser contido, porque o baque foi grande e extremamente significativo.

Qual o perfil de consumo do setor?
A construção civil representa 34,1% do consumo, o setor automotivo tem 22,1% de participação, a parte de máquinas e equipamentos é de 20,9%. Esses três setores representam, hoje, abaixo de 80% dos consumidores, mas já foi de 80%. As quedas ocorridas na indústria como um todo, na indústria civil e automotiva foram de 28% cada, muito representativas. Já a previsão do consumo da construção civil esse ano prevê desvalorização de -0,7.

A capacidade de produção de aço mundial chega a 2,2 mt para um consumo de 1,8 mt. Como o Brasil fica neste cenário mundial?
Esse excesso de capacidade leva a uma guerra de mercado com práticas predatórias, turbulências e à escalada do protecionismo como estamos vendo. A começar pela China com excesso de capacidade de subsídio, após a cessão 322 do Trump em maio de 2018. Em reação à decisão americana vem a salvaguarda da União Europeia (UE) e, em seguida, o mundo todo se protegendo com suas salvaguardas.

Outro fator, são as tarifas estabelecidas dentro do jogo dos países em defesas de seus mercados. A gente não fala muito, mas os EUA trabalham hoje com 25%, UE também 25% e a gente olha para nossa América do Sul e não tem nenhum tipo de defesa. No meio dessa confusão monumental, temos uma China que diminui sua exportação para o resto do mundo em 9,1%, mas cresce 20% para o Brasil. A produção anual de aço no Brasil equivale a 15 dias de produção na China. Isso traz o exercício exacerbado de buscar acesso ao mercado e de defesa comercial. Ou seja, mundo conturbado, excesso de capacidade, práticas predatórias e no meio desse contexto todo vem a relação Brasil e EUA.

Como o setor de aço recebeu a declaração do presidente norte-americano, Donald Trump?
A nossa reação foi de perplexidade. Primeiro, porque o posicionamento do Trump é desprovido de qualquer sentido técnico. A afirmativa de que o Brasil manipula seu câmbio não tem pé nem cabeça. Falar que o agricultor americano é prejudicado? A agricultura não tem nada a ver com o aço. Também não é verdade que o agricultor americano é prejudicado porque o governo brasileiro fez cessões, inclusive de cota de aumento de etanol para os EUA. Aquele tweet, por si só já que não está nada oficializado, causou um furacão nas negociações, que estão paradas devido ao grau de insegurança, num mercado que por si só já é complicado.

Qual a expectativa para 2020?
A solução não está lá fora porque o excedente permanece e tudo que falei antes de práticas predatórias, turbulências e guerra de mercado também vão permanecer sem alterações. Estamos estimando para 2020 um crescimento de 5,3% na produção, 34 bilhões de toneladas. Um aumento de 5,1% nas vendas internas e elevação de 5,2% no consumo aparente. Falamos de retomada em 2020, mas me refiro a economia, porque o setor continua com uma base comprimida. Mesmo com esse crescimento de 5,3%, verificamos que a capacidade instalada atinge 67%, mas para chegar a um resultado é preciso que esse percentual ficasse acima de 85%. Significa dizer que precisamos produzir mais 9,5 milhões de toneladas e isso leva a necessidade de exportar.