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Afastamento familiar pode ser reação a relações tóxicas

Há quem diga que família é a base de tudo e deve estar sempre unida, seja diante dos problemas, desafios ou simplesmente para compartilhar conquistas e alegrias. Essa é a definição mais comum e como a maioria da sociedade enxerga. No entanto, nem tudo são flores e os laços nem sempre se constroem dessa forma. Os conflitos existem, afinal, são indivíduos com personalidades diversas.

Alguns são diferentes da maioria dos seus parentes, outros se desentendem e saem de casa para ter sua liberdade e têm aqueles que desejam morar sozinhos em busca de privacidade e independência. Não existe uma pesquisa que possa comprovar em números a quantidade de pessoas que se distanciam de suas famílias no Brasil, mas essa é uma realidade cada vez mais presente e pouco debatida.

A relação do maquiador Gabriel Santos, 29, com sua família começou a desmoronar quando o rapaz tinha apenas 17 anos. “Me assumi gay e a reação deles não foi boa. Eram olhares desconfiados, piadinhas desagradáveis e, algumas vezes, tínhamos discussões. Quando comecei a namorar ficou ainda mais insuportável, porque não podia levar ninguém em casa, mesmo que fosse apenas um amigo e nem chegar tarde. Também pediam para que me portasse como ‘homem’ e cheguei até a ser ameaçado com frases bem homofóbicas por um tio”, relembra.

Ele precisou encarar a vida sozinho a fim de viver sua felicidade. “Aguentei toda essa situação por cerca de um ano e resolvi dar um basta. Tomei a decisão de sair de casa e dividir apartamento com amigos. Os parentes não me ajudaram em nada, nem mesmo a levar as poucas coisas que tinha para meu novo lar. Na época, estava trabalhando em uma empresa de telemarketing e recebia um salário mínimo”.
Gabriel ressalta que nunca entendeu toda essa rejeição. “O primeiro mês foi de lágrimas e sofrimento. Não me procuravam ou ligavam para saber se estava tudo bem. Fiquei com aquele sentimento de abandono e me perguntava como alguém que você ama tanto pode fazer isso só porque não aceita você ser gay”.

Mas, apesar do distanciamento de sua família, algumas lições foram apreendidas e o tornaram mais forte emocionalmente. “No fundo sempre fica aquele ressentimento, mas aprendi a não deixar que os outros me impeça de ser quem eu sou e de viver a minha felicidade. Também entendi que família não precisa ser do mesmo sangue, pode ser pessoas que sempre estiveram ao nosso lado”, finaliza.

A cabeleireira Madalena Alves também se distanciou de seus irmãos e de parte da família. O motivo foi à divisão de herança. “Tenho dois irmãos e minha mãe deixou um apartamento para cada um e mais uma loja. Antes dela falecer, eu estava desempregada há 2 anos e montei um salão de beleza nesse lugar. Na partilha dos bens, quiseram me obrigar a vender o imóvel para dividir o valor ou a pagar aluguel. Eles têm uma condição de vida melhor do que a minha e nem precisam desse dinheiro”, conta.

Os conflitos começaram e a briga já dura 3 anos. “Levaram o caso para a justiça, pois não abro mão e eles também não. Nós já brigamos a ponto de os vizinhos chamarem a polícia. Uma parte da família está do meu lado e outros estão com ódio de mim. É uma situação desagradável, porque são pessoas com quem você conviveu boa parte da sua vida. A gente se afastou, não conversamos e prefiro nunca mais encontrá-los”.

O período eleitoral de 2018 também fez muitas pessoas se afastarem, como é o caso do estudante Felipe Leite. “Tenho um tio que sempre faz um comentário maldoso que gera discussão e não sou de ficar calado. A briga começou no grupo de família no aplicativo WhatsApp e passou para as redes sociais. Acabou que, em certo momento, deixou de ser sobre política e partiu para o lado pessoal. Não falo mais com ninguém da família por parte de pai e nem frequento a casa deles. Eles tomaram as dores e também entraram na confusão”.

O jovem diz que os argumentos são sempre rasos. “A gente tentou conversar, mas logo partem para ignorância. Preferi me afastar e bloqueá-los nas redes sociais. Meus pais ficam chateados com a situação e me aconselham a deixar passar para evitar mais atrito”.

Em busca de viver seu amor, a vendedora Bárbara Nunes, 22, decidiu ficar longe da família. “Eles não aprovam o meu relacionamento porque meu pai descobriu que ele já foi casado e tem uma filha. Também não aceita nossa diferença de 12 anos de idade. Alguns falam que meu namorado não é a pessoa ideal para mim e que mereço coisa melhor, mas o amo e vou lutar até o fim”, relata.

Ela conta que houve um desentendimento e decidiu morar junto com o rapaz. “Não aceitam a situação e, como não temos uma vida financeira estável, abandonei a família e estamos morando na mesma casa. Meu pai não gosta nem de ouvir falar o nome do meu namorado e eles já até saíram na porrada. Eu nem vou mais as festas de família para não criar confusão. Estou feliz com ele e não vou mudar minha opinião”.

A psicóloga e especialista em terapia familiar Sandra Cunha afirma que não existe relação perfeita nas famílias. “É natural que haja um afastamento em algum momento, afinal a vida real não é nenhum conto de fadas. Cada cabeça pensa de uma forma e tem seus desejos e necessidades. O importante é que todas as relações devem sempre ser pautadas pelo respeito e diálogo”.

Ela explica que o afastamento pode ser algo doloroso e deixar marcas, mas também pode ser algo saudável em algumas situações. “Em casos mais graves é indicado procurar um auxílio profissional. É interessante frisar que esse distanciamento nem sempre é permanente e as pessoas podem voltar a se aproximar em outra fase da vida”, conclui.