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Renúncia ou missão divina? Mães de filhos especiais contam sobre suas lutas

A palavra sacrifício nos remete a ideia de um peso a ser carregado com grande sofrimento. Entretanto, a origem da palavra carrega amor e espiritualidade: sacro-ofício. Quer dizer o trabalho que é realizado com tanto sentido e significado pela pessoa que o realiza, que passa a ser um ato sagrado. A semelhança da definição com o trabalho de 24h de mães de crianças especiais não é coincidência.

A dona de casa Aparecida Oliveira, 46 anos, é a mãe apaixonada do Vitor Oliveira, um adolescente de 14 anos, com autismo. Resiliência é a palavra que vem à mente para defini-la. “É difícil, a gente tem muita responsabilidades, mas penso que se Deus me deu é porque tenho capacidade”, diz sobre os cuidados diários com o menino.

O diagnóstico veio só aos 4 anos. “Na primeira consulta com a neurologista, ela relatou que era autismo”. Hoje, suas 24h são dedicadas ao filho. “Ao mesmo tempo que ele é independente para realizar tarefas, usar o banheiro e pegar um iogurte na geladeira, também não tem receio de pegar uma faca ou acender o fogão. Por isso, o cuidado é o tempo todo”.

A psicóloga Marcia Nogueira Luca explica que ser mãe de uma criança especial é desafiador. “Ser mãe de um adolescente ou adulto com algum tipo de deficiência é ainda mais. A criança cresce, sua força física aumenta e as estratégias para lidar com essa nova etapa da vida têm que ser reinventadas. E nossa sociedade tenta colocar o diferente no lugar de vilão e as mães no desconfortável papel de mártir”.

As crises de Vitor diminuíram, mas episódios constrangedores e de discriminação saltam à memória da mãe. “Na cabecinha dele, existia um lugar reservado para ele no ônibus. Uma vez, o ônibus estava cheio e ele tentou tirar um senhor da cadeira puxando-o pela mão. Quanto mais o senhor relutava, mais agitado ele ficava”. O menino, então com 7 anos, mordeu a mão do passageiro, que disparou: “Vocês deviam ser proibidos de sair de casa”. Nem ela, nem ninguém se manifestou. “Ficou por isso mesmo”.

A mãe Aparecida Oliveira com seu filho Vitor Oliveira

Uma outra vez, Aparecida estava com Vitor e sua outra filha próximos a Igreja São José, no Centro da capital, para realizar uma matrícula. “Ele não queria entrar, mas como eram muito pequenos para ficarem do lado de fora, forcei ele. Enquanto Vitor arranhava meus braços e resistia, uma senhora viu aquela cena e chamou a polícia dizendo que eu estava agredindo ele”. Ela conta que estava tão concentrada no filho, que não notou a multidão que formou a sua volta. “Os policiais chegaram, expliquei que estava só contendo o meu filho durante uma crise de autismo e eles me ofereceram uma água”. A denunciante, que não chegou a conversar com Aparecida, sumiu.

A professora de psicologia da Faculdade Arnaldo Cláudia Natividade ressalta que a sociedade tem pouco contato com as deficiências. “Não há informações sobre as questões que envolvem todas as deficiências, em especial, o autismo. É necessário que a sociedade incorpore conhecimentos sobre o tema”.

A aposentada Maria da Glória Teixeira, 67 anos, é exemplo de uma mãe que dedicou grande parte da vida exclusivamente à filha. Após a infecção por miíase humana, popularmente conhecida como berne ou bicheira, na região abdominal avançar para medula óssea, a filha de Glória ficou paraplégica. A mãe culpa os médicos pelo diagnóstico tardio. A menina que na época tinha 15 anos, nunca mais andou sem auxílios. “A minha vida acabou. Uma mãe ter que escutar do médico que sua filha nunca mais vai andar e que vai depender de uma cadeira de rodas para sempre é algo muito duro”, relembra.

Vinte e sete anos atrás, a situação financeira de Glória era outra. “Na época, não tinha dinheiro e vivi muito de ajuda”. Sobre sacrifícios feitos, ela encara de uma outra forma. “Eu aceitei que minha vida tinha acabado e vivi em prol dela. Depois que ela voltou a estudar, a ser a pessoa que era, brincalhona, que gosta de sair, que fez a faculdade de direito, que trabalha com o marido e teve uma filha, minha vida melhorou. Isso para mim é maravilhoso”.

Para Marcia Luca, mães de crianças especiais aprendem a valorizar sucessos e conquistas que passam despercebidos pela grande maioria das mães. “Sorrisos, demonstração de afeto, amarrar o tênis e cuidar de sua higiene pessoal são comemorados”, diz. No entanto, é necessário que elas se atentem a saúde mental. “Frente ao insuportável muitas podem adoecer, desenvolver sintomas de ansiedade, depressão, se tornarem superprotetoras, arredias e reclusas, heroínas ou vilãs. A psicologia tem um papel essencial no cuidado dessas mães, ajudando a se perceberem como mulheres, não apenas como mães. Fortes, mas passíveis de fragilidades”.