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Mudanças na Lei Rouanet afetam grandes produções culturais

Alvo de críticas nos últimos anos, a Lei Rouanet, um dos principais mecanismos de incentivo a projetos culturais, passou por uma reformulação. Entre as principais mudanças trazidas pela instrução normativa está o novo nome, agora batizada de Lei Federal de Incentivo à Cultura. Também houve um enxugamento de 98% no limite de captação de recursos. Antes, o teto máximo era de R$ 60 milhões, reduzido para R$ 1 milhão. As alterações afetam, sobretudo, as grandes produções culturais e despertaram preocupação e incertezas de parte da classe artística brasileira.

De acordo com o ministro da Cidadania Osmar Terra, uma das justificativas para a reforma na lei é garantir a distribuição dos recursos disponíveis e ampliar o acesso à cultura em todas as regiões do país. A maioria das propostas ficavam concentradas no eixo Rio-São Paulo. Para induzir o crescimento de projetos em outras regiões, o teto máximo de captação pode até dobrar. No Norte, Nordeste e Centro Oeste, as empresas podem aumentar em 100% (até R$ 2 milhões). Na região Sul e nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, em 50% (até R$ 1,5 milhão).

Uma das polêmicas envolvendo a Lei Rouanet é que apenas as grandes apresentações recebiam apoio e tinham destaque. Nesse aspecto, o governo quer apoiar novos talentos e pequenos e médios projetos culturais. Entre outras mudanças está o aumento na distribuição de ingressos gratuitos de caráter social. Os produtores culturais cujos espetáculos forem beneficiados pela Lei Federal de Incentivo à Cultura terão que disponibilizar entre 20% e 30% dos bilhetes para famílias de baixa renda. Além disso, 10% das entradas terão que ser vendidas a preços populares por até R$ 50.

Para a advogada Cristiane Garcia Olivieri, autora do livro “Cultura neoliberal: leis de incentivo como política pública de cultura”, o teatro deve ser afetado como um todo, mas os musicais terão um impacto maior. Isso porque com quase metade dos ingressos comprometidos com a gratuidade e a outra parte voltada ao direito da meia-entrada, o produtor fica com uma margem pequena para arcar com as despesas.
Ela explica que um espetáculo, excluindo os monólogos, custa mais de R$ 1 milhão para se manter em cartaz. “O aluguel do espaço e direitos autorais ficam com quase todos os 25% do valor integral dos ingressos que o produtor teria direito”. A advogada diz ainda que o limite de R$ 1 milhão é de aprovação de projeto, e não de captação. “Geralmente fica abaixo do valor total. Falta compreensão desse mercado para a reformulação da lei. Teremos uma redução no número de projetos por ano”.

À frente da Universo Produção, Raquel Hallak é uma das responsáveis pelo projeto “Cinema sem Fronteiras”, que engloba as mostras de cinema de Tiradentes, Ouro Preto e Belo Horizonte. Todos os eventos são gratuitos e dependem essencialmente de patrocínio para serem realizados. Ela diz que ainda está avaliando as mudanças trazidas pela instrução normativa, mas, em um primeiro momento, as alterações não geram impactos.

Ainda de acordo com Raquel, o que falta é um entendimento da função da lei de incentivo para o setor cultural. “A sensação que o pessoal tem é que o projeto sendo aprovado, significa que você já tem o recurso. Na verdade, ainda existe um longo caminho a percorrer para conseguir obter o patrocínio. E funciona dessa forma para qualquer projeto submetido. Os problemas para obter o auxílio ainda continuam, pois, são as empresas que definem se vão ou não apoiar seu projeto”. Ela revela que em todas as edições das mostras nunca conseguiu obter o valor integral aprovado.

A proposta do governo com as mudanças é distribuir melhor os recursos e favorecer os pequenos e médios artistas. “A lei favorece mais a empresa que pode, ao invés de pagar o imposto de renda integral ao governo, retirar 4% do total devido e escolher projetos culturais para patrocinar. Esse teto de R$ 1 milhão representa uma mudança drástica de limitar os grandes empreendimentos. No entanto, reforço que a lei é apenas um mecanismo de incentivo e não o recurso. Assim como a indústria automobilística também recebe para se desenvolver. Quanto maior o empreendimento, mais impacta positivamente no desenvolvimento social, humano e econômico. O que vale é fazer uma análise com rigor no perfil de cada projeto proposto”, conclui.

O Instituto Cultural Filarmônica, responsável por estruturar e manter a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, também não foi afetado com as mudanças na Lei de Incentivo à Cultura. Isso porque é uma entidade sem fins lucrativos e possui um plano anual de atividades que não tem teto limite. Em 2019, foram captados R$ 6,5 milhões via Lei Rouanet.

De acordo com o presidente do instituto Domar Silveira, a orquestra conta, atualmente, com 90 músicos. “O impacto desse projeto artístico, não só no meio cultural, mas também no comércio e na prestação de serviços, gera em torno de 5 mil oportunidades de trabalho direto e indireto a cada ano”, afirma.

A Filarmônica também realiza apresentações com entrada franca. “Os concertos para a Juventude, realizados durante seis domingos ao longo do ano, Clássicos na Praça, assim como o Laboratório de Regência e o Festival Tinta Fresca, possuem entrada gratuita. Já a série Filarmônica em Câmara, realizada às terças-feiras com seis concertos de câmara na Sala Minas Gerais, tem preços populares. As séries regulares de concertos, realizadas às quintas, sextas e sábados, têm ingressos a partir de R$ 46 (R$ 23 meia-entrada)”.

Entenda a lei
Ao contrário do que muitos pensam, o governo não dá dinheiro aos participantes, apenas deixa de receber em forma de tributos. A lei permite que cidadãos e empresas possam aplicar 4% e 6%, respectivamente de seu Imposto de Renda em produções culturais. Os projetos são analisados por uma comissão do Ministério da Cidadania. Caso seja aprovado, o proponente pode começar a buscar e convencer patrocinadores. Ao final, a produção precisa comprovar os gastos e a execução do projeto.

O percentual do incentivo à Cultura representa apenas 0,66% da renúncia fiscal da União. Ao longo dos 27 anos de existência da lei, mais de R$ 49 bilhões foram injetados na economia brasileira, com 53.368 projetos contemplados, segundo estudo realizado pela Fundação Getulio Vargas (FGV).