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Um encontro com Basquiat em Beagá

Pelos próximos meses, paira sobre todo o Circuito Cultural Praça da Liberdade, na região Centro-Sul da capital, ares da arte de rua para ninguém botar defeito. Do lado de fora, os tapumes que fecham a praça para a reforma receberam grafites de mais de 50 artistas.  Do lado de dentro do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), mais de 80 obras do pintor norte-americano Jean-Michel Basquiat (1960-1988) estão em cartaz na maior exposição do artista já realizado na América Latina.

A mostra que o CCBB organizou está em turnê desde o início do ano e é um passeio pela vida e obra do artista. “O público de Belo Horizonte pode esperar uma grande retrospectiva das obras, entre quadros, desenhos, gravuras e cerâmicas. Nós conseguimos uma seleção superimportante da maior coleção de Basquiat, da família Mugrabi de Nova Iorque.Vale lembrar que essas mesmas obras foram disputadas por países como Coreia do Sul, Japão e Rússia. E agora estarão em BH, apresentadas de forma gratuita ao público”, informa o curador da exposição Pieter Tjabbes.

Filho de imigrantes afro-caribenhos, Basquiat foi, de acordo com Tjabbes, uma “personificação das transformações de sua cidade nas décadas de 1970 e 1980”. Sua técnica, inovadora para a época, mesclava sobre a tela elementos como colagens, cópias reprográficas, palavras e imagens da anatomia humanas – inspiradas no livro Gray’s Anatomy, lido pelo artista na infância, enquanto se recuperava de um grave atropelamento.

Logo na primeira sala, o visitante pode imergir na atmosfera que o artista criava para pintar: Basquiat se inspirava e interagia com os espaços pelos quais circulava na metrópole americana, para situar o visitante, há um mapa com os bairros em que ele viveu e os clubes que ele gostava de frequentar. “O que mais me chama a atenção é a imersão no caos de uma cidade grande como Nova Iorque, onde elementos se deturpam, se perdem e se transformam. A influência de contracultura como o pixo, da ironia e da inversão de valores. A efemeridade de sua obra também chama a atenção, de ter a coragem de passar tinta por cima de um trabalho ‘pronto’, e de sua arte ser baseada na sua própria história e vivência”, comenta o designer gráfico Lucas Barcelos, visitante da exposição.

Tudo isso atraiu a atenção de críticos, curadores e compradores da época. Basquiat tornou-se celebridade das ruas da Big Apple, ganhou notoriedade nas maiores galerias do mundo e, antes mesmo de sua morte súbita, já era comparado a gênios como Picasso, Pollock e Warhol. Andy Warhol, amigo e influência direta do pintor, inclusive, produziu inúmeras obras em parceria com ele e também está presente na exposição.

Representatividade

Basquiat foi um dos raros artistas negros de sucesso, no contexto das artes plásticas, em um universo predominantemente branco. Em sua carreira, trouxe à tona a negritude e as vicissitudes e traumas experimentados pelos negros nos EUA. “Eu percebi que não via muitas pinturas com pessoas negras”, explicou o próprio Basquiat, fazendo um adendo depois: “O negro é o protagonista da maioria das minhas pinturas”.

Tjabbes destaca que a arte do nova-iorquino traz elementos característicos de sua ascendência africana, como as cores, os movimentos e os simbolismos. Esses são aspectos que também estão em nossa tradição. “Basquiat tem tudo a ver com o Brasil e fizemos questão de construir uma exposição própria, que destacasse ao máximo essa sua correlação com a cultura brasileira. Convidamos jovens artistas grafiteiros, como Os Gêmeos, Fefe Talavera, Carlos Dias, Raphael Sagarra (Finok), Nunca, Ise, Rodrigo Branco, Alex Hornest, Mag Magrela, Rimon Guimarães e, de BH, os artistas Daniel Jack e Thiago Alvim para criarem obras de homenagem a Basquiat. São artistas que assim como ele começaram sua produção artística nas ruas, mas que hoje também estão em museus e galerias de arte”, diz Tjabbes.

“Observar o trabalho de Basquiat é como ouvir o jazz Bebop, uma de suas referências. Ambos possuíam uma energia explosiva e uma construção que, por vezes, passa a impressão de ser simultaneamente desordenada e complexa. Bebop deu uma nova abordagem para o jazz, e Basquiat fazia o mesmo em sua arte, provocando uma ruptura no que acontecia no meio artístico da época. Alguns trabalhos que chamam atenção são aqueles em que ele, já reconhecido como um grande artista que veio das ruas, parece questionar o meio em que estava inserido, onde sua arte deixa de ser um trabalho de expressão do artista e vira um produto a ser consumido”, observa o estudante Felipe Medeiros, que visitou a mostra.

Classificado pelos críticos como um artista neo-expressionista, muitos julgam o traço de Basquiat como infantil, isso porém é intencional. “Eu sei desenhar, mas não quero”, costumava dizer o próprio. Para estudante Camila Gomes, a ousadia surpreendeu. “Conhecia pouco sobre sua vida e suas obras até a exposição. Me chamou a atenção o modo como ele expõe sua visão misturando referências cotidianas, históricas e contemporâneas. Usando sempre sons, músicas para retratar e a ousadia de pintar por cima de desenhos e palavras já feitas”, conta.

Cerca de 20 mil pessoas que já visitaram a exposição, desde sua abertura no dia 14 de julho. Em média, cerca de 2.360 pessoas circulam pelas galerias. A exposição retrospectiva de Basquiat fica em cartaz, em Belo Horizonte, até 24 de setembro. A classificação indicativa é livre e os ingressos podem ser retirados, no local, gratuitamente.