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Um regime militar seria capaz de solucionar os problemas do Brasil?

Nas últimas semanas, a mídia não falava em outra coisa, a não ser sobre a paralisação dos caminhoneiros, que reivindicavam, principalmente, a redução no preço do diesel. Mas, um fato que chamou atenção no meio de toda essa desordem foram as inúmeras faixas que pediam por intervenção militar. O assunto gera uma grande polêmica e não é uma novidade, ainda mais com os acontecimentos recentes na política do país. Mas será que, do ponto de vista legal, uma intervenção seria suficiente para resolver todos esses problemas? Para compreender essas questões, o Edição do Brasil conversou com o doutor em Ciência Política, Paulo Roberto Leal.

Por que tanta gente fala na volta do militarismo no Brasil?

Acredito que por uma crise sistêmica de confiança nas instituições da democracia. E isso ficou muito claro a partir de 2013. Os fatos que ocorreram de lá para cá só fizeram acentuar essa descrença. Tivemos eleições muito polarizadas e virulentas em 2014. Depois houve uma tentativa sistemática de desestabilização do Governo Dilma, que enfrentou dificuldades de governança no dia seguinte da posse.

Houve também um incremento da visão negativa da política em função da Operação Lava Jato. O processo de destituição parlamentar de Dilma acabou aprofundando ainda mais a percepção de que essas instituições não estavam funcionando adequadamente. Ninguém, com razoável bom senso, dirá que a tal da pedalada fiscal, que não valeu para ninguém, tenha sido o verdadeiro motivo para tirar uma presidente eleita. O novo governo já se instala sobre o signo da ilegitimidade. E as medidas que implementa vão na contramão daquelas que foram vitoriosas nas urnas nas últimas quatro eleições presidenciais.

Todo esse quadro aumenta a descrença da sociedade nos partidos, parlamentos, governos e na democracia. E a resposta que emerge disso é essa oposição de que é possível salvar a política, chamando gente de fora dela para resolver os problemas, o que é perigoso, mas ocorre mais intensamente nesses momentos de descrença sistêmica no nosso processo político.

Quais os argumentos de quem é contra?

A obviedade da nossa própria história. Não é fora da política que se revolve os problemas dela. Não é jogando fora a democracia que você a aperfeiçoa. Não é construindo soluções autoritárias que é possível resolver problema algum. Muito pelo contrário, as soluções autoritárias aprofundam cada um dos problemas que existem. É absolutamente esquizofrênico que as pessoas se manifestem a favor de regimes autoritários que farão como primeira medida a proibição de qualquer manifestação.

Tem diferença entre intervenção militar e ditadura?

Na prática, uma levou a outra. Hoje, o que vemos de muitas pessoas pedirem intervenção militar, foi a mesma desculpa dada em 1964 em que os militares interviriam e, depois, em 1966 teríamos novas eleições. Isso nos levou a 21 anos de ditadura cruel, que matou, torturou e desapareceu com milhares de pessoas. Nesse período também houve supressão de direitos políticos e da democracia.

Nossa Constituição prevê a possibilidade de uma intervenção militar?

Não. A Constituição Brasileira não prevê a intervenção militar. Ela diz que as Forças Armadas estão sob a autoridade do presidente da República e seu comando. Não há iniciativas militares de forma autônoma que seja respaldada pela constituição. Isso seria inconstitucional sob qualquer ponto de vista e configuraria insubordinação ao presidente. O que as pessoas estavam defendendo ao longo das últimas semanas não existe. Afirmam que seriam uma intervenção democrática para restituição da ordem, quando, na verdade, não há previsão constitucional para isso.

Há alguma possibilidade real de ocorrer um golpe militar no país?

O contexto internacional do momento é outro. Lá nos anos 1960, ditaduras militares eram prontamente apoiadas pelos Estados Unidos, em função do temor de um avanço do comunismo no continente. Mas, hoje em dia, temos outro contexto e os militares também não são os mesmos. Acho que é bastante improvável que algo desse tipo ocorra.

No entanto, há algum tempo atrás o que eu chamava de impossível, agora digo que é apenas improvável. Há um crescente rumor de que nas bases das Forças Armadas essa ideia é apoiada. E o fato de que alguém como Bolsonaro (PSC) possa liderar pesquisas eleitorais no país mostra que, infelizmente, há um número expressivo de cidadãos dispostos a apoiar soluções autoritárias, o que é muito preocupante.

Caso os militares assumissem o poder, teriam como resolver os problemas do país? A corrupção diminuiria?

Claro que não. Acredito que aprofundariam ainda mais cada um deles. Não há qualquer solução para a política brasileira que não seja resolvida na própria política. A corrupção também não seria combatida. Na prática, se você analisar o regime militar, a única diferença para a democracia é que na ditadura a corrupção não era investigada. Não há provas que sustentem o contrário. Foi um regime altamente corrupto, maléfico do ponto de vista do controle público sobre o Estado. Portanto, imaginar que uma instituição impoluta vai salvar a política da corrupção é não perceber que esse combate se dará a partir do momento em que houver mais controle público sobre o poder e não menos, como acontece nas ditaduras.

 Você acredita que o povo já esqueceu como era a vida no Brasil durante a ditadura?

As gerações mais jovens não foram devidamente lembradas do ponto de vista do estudo da história. Já as mais antigas, talvez não sejam capazes de ver na inteireza o grau de malignidade que representou aquela ditadura. Isso porque essas pessoas não tiveram suas vidas diretamente atingidas e supõem que tenha sido razoável, quando na verdade não foi, pois milhões de brasileiros foram afetados pelo regime militar.