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Denúncias de intolerância religiosa cresceram 141% no Brasil em 2021

Maioria dos relatos foram feitos por praticantes de religiões de matriz africana | Foto: Reprodução/Internet

Antonio Carlos Junior | Foto: Arquivo pessoal

O Brasil possui uma pluralidade religiosa e todos têm o direito de praticar suas crenças. No entanto, a realidade é diferente e o problema da intolerância religiosa ainda persiste no país. Segundo a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH), do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH), no ano passado foram registradas 586 denúncias de violação à liberdade de crença. Ao comparar com o mesmo período de 2020, que teve 243 ocorrências, houve um aumento de 141% nos casos.

A maioria dos relatos foram feitos por praticantes de religiões de matriz africana. O estado que registrou mais denúncias foi o Rio de Janeiro (138), seguido por São Paulo (110). Minas Gerais aparece na terceira posição do ranking, somando 53 registros. No que diz respeito ao sexo das vítimas, 65,19% são mulheres.

Sobre esse assunto, o Edição do Brasil conversou com Antonio Carlos Junior, doutor em Ciência da Religião. “A quantidade de casos pode ser ainda maior, uma vez que muitas vítimas preferem não realizar a denúncia por medo de que a violência se repita ou não recebam o apoio necessário”, explica.

Qual a importância da religião na sociedade?
As religiões, normalmente, falam sobre os temas mais sensíveis para as pessoas, como vida, morte e esperanças. Além disso, no campo moral, todo o ocidente foi construído a partir da perspectiva judaico-cristã. Muitos dos valores morais vigentes em nossa sociedade têm fundamento em aspectos religiosos. Por exemplo, o dever de fidelidade conjugal, a proteção à mulher e aos direitos humanos e a proibição do suborno.

Como o preconceito religioso se manifesta?
Ele pode se dar de inúmeras formas, como verbal, escrita e gestual. É importante dividir o que é discriminatório do que é livre manifestação da fé. Também é preciso diferenciar preconceito de pré-conceito. Ou seja, o indivíduo não é obrigado a abandonar sua crença para dizer que todas as fés são iguais.

O que garante a liberdade religiosa no Brasil?
Sob o ponto de vista jurídico, temos a proteção dessa liberdade em normas internacionais, na Constituição do Brasil e nas leis do país. Sob a dimensão prática, precisamos do respeito à crença do outro. Mesmo que eu discorde da fé alheia, essa pessoa é livre para crer do modo como lhe parece mais oportuno.

Por que as cédulas trazem a frase “Deus seja louvado” se o país é laico?
Ser laico não quer dizer ser ateu; não significa que as religiões sejam desimportantes ou devam ser eliminadas do contexto social. Nossa Constituição foi promulgada “sob a proteção de Deus” e essa disposição não é inconstitucional.

Discriminação religiosa é crime?
A intolerância religiosa é crime, com atitudes previstas na Lei 7.716/89, em vários artigos e a pena varia para cada uma das condutas.

Por que as religiões umbanda, candomblé e espírita são alvos constantes de preconceito?
Depende do que se entende por esse preconceito que, talvez, esteja maximizado pela exposição midiática. Ninguém tem o dever de aceitar a religião do outro como verdadeira, aliás, não é preconceito estabelecer hierarquia entre as religiões, indicando que a minha religião é melhor que a do outro.

Claro que existem condutas inadmissíveis contra essas matrizes, como a destruição das imagens de um terreiro de umbanda, por exemplo. Mas também são inadmissíveis várias condutas contra os cristãos, como a introdução de um crucifixo no ânus, a pichação das paredes do templo, a tentativa de obrigar os cristãos a realizarem uniões homoafetivas, quando se sabe que essa não é a interpretação teológica dessa matriz.

Você acredita que a falta de conhecimento impulsiona a intolerância religiosa?
Muitas vezes, sim. Mas não posso ser obrigado por quem quer que seja, inclusive pelo Estado, a estudar, saber ou participar de religiões que não a minha. E, mais, conhecer a religião do outro não significa, obrigatoriamente, que eu deva acreditar do mesmo modo.

O que poderia ser feito para minimizar a intolerância religiosa? Como o governo pode ajudar no combate?
Basicamente se criar uma cultura de respeito à forma como o outro crê, o que não significa abandonar nossas convicções pessoais. Precisamos entender que o outro tem o direito de crer do modo como lhe for mais conveniente.

O governo pode ajudar, em primeiro lugar, promovendo essa cultura de respeito. Segundo, informando sobre a importância da dimensão religiosa para aquele que exerce fé, a fim de que essa perspectiva seja tomada em consideração. Terceiro, divulgar os mecanismos de proteção à intolerância religiosa, a exemplo do “Disque 100”.