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Entenda o que é o Talibã e como o grupo tomou o poder no Afeganistão

Membros do Talibã patrulham as ruas de Cabul | Foto: Sayed Khodaiberdi Sadat/Anadolu Agency/Getty Images

 

Fabiano de Abreu Rodrigues

As imagens de desespero e tentativa de fuga em massa de milhares de afegãos no aeroporto internacional de Cabul, no Afeganistão, chamaram a atenção de todo o mundo. Eles invadiram a pista e se arriscaram para embarcar em um avião dos Estados Unidos (EUA). A situação por lá é bastante preocupante, após o Talibã derrubar o governo e tomar o poder de grande parte do país.

O grupo extremista islâmico havia sido destituído e perdeu espaço em 2001 em uma incursão liderada pelos EUA. No entanto, com a retirada das tropas norte-americanas, recuperou forças e, em poucos dias, tomou o controle novamente. Para entender o que é o Talibã e o cenário que se desenha no Afeganistão, o Edição do Brasil conversou com Fabiano de Abreu Rodrigues, que é PhD, neurocientista e historiador com pós-graduação em antropologia.

O que é o Talibã e como ele surgiu?

Nos anos 1990, depois que as tropas da União Soviética deixaram o Afeganistão, iniciou-se uma série de conflitos entre grupos que brigavam pelo controle da nação. É neste contexto de guerra civil que o Talibã surgiu, formado por tribos afegãs. O grupo extremista é político e usa a religião, baseada nos mandamentos da Sharia, a lei islâmica, para impor suas próprias regras. Eles têm uma história cruel e ditatorial ao longo de tantos anos.

Quem lidera o grupo? São aliados da Al-Qaeda?

É liderado por Mawlawi Hibatullah Akhundzada, um clérigo religioso nomeado como Comandante Supremo do Talibã. Além dele, existem três delegados e 26 membros do conselho. Eles são bem organizados nessa questão.

Eles sempre foram aliados da Al-Qaeda, que é composta por árabes. Os dois grupos se ajudam nas questões de logística, armas e dinheiro. Para rememorar, Osama Bin Laden, um dos fundadores da Al Qaeda, foi acolhido pelo Talibã no Afeganistão após os ataques de 11 de setembro que deixaram milhares de mortos nos Estados Unidos.

É um regime de esquerda ou de direita?

O Talibã não tem essa de esquerda e direita como se pensa aqui no Brasil. Eles são um grupo extremista e terrorista e que todo país tem receio. A preocupação também é encorajar o Estado Islâmico, que busca integrantes na África e recentemente junto à Al-Qaeda. Lembrando que a Al-Qaeda é um “primo” do Talibã, inclusive, o problema em relação aos Estados Unidos foi quando o Talibã protegia Osama Bin Laden.

A volta do Talibã abre caminhos para o retorno do terrorismo?

O que vem por aí não se sabe, mas motivos para preocupação não faltam. Dados do Índice Global do Terrorismo publicado em 2019 colocam o Talibã como o maior grupo terrorista da história, mais violento que o conhecido Estado Islâmico. Para se ter ideia, em 2018, o Talibã foi responsável por 38% do total de fatalidades em atos terroristas no mundo (6.103 mortes), 71% a mais na comparação com o ano anterior.

Com o encorajamento do Estado Islâmico e a volta do Talibã, a Al-Qaeda poderá ganhar mais força. Eles são como “meninos rebeldes”, que levam a culpa, assumem atentados internacionais e o Talibã finge não saber de nada, mas está sempre a ampará-los.

Qual o objetivo central do Talibã?

Querem conquistar o território afegão, tendo o Paquistão como grande parceiro, bem como desejam que todos sigam os mandamentos da Sharia. Aqueles que não o fazem são considerados impuros e passam a ser inimigos do regime Talibã. Recentemente, vimos o fato ganhar as páginas dos jornais. Com quase 75% do Afeganistão ocupado, o presidente Ashraf Ghani fugiu e o grupo assumiu o poder novamente. O resultado disso são as imagens de afegãos tentando deixar o país e lotando o aeroporto de Cabul.

Como conseguiram tomar o país após 20 anos?

Na verdade, o Talibã nunca acabou, são extremistas e possuem as suas convicções religiosas. Durante essas duas décadas, buscaram fiéis para integrar o grupo no Afeganistão, inclusive em outros países. São pessoas fáceis de serem manipuladas por questões sociais, como pobreza e falta de estudo. Elas acabam encontrando na religião uma maneira de se tornar útil. Podemos citar, por exemplo, os homens-bomba, que explodem o próprio corpo. Fazem isso, pois imaginam ser o momento de se destacar e deixar um legado.

No Afeganistão, durante os últimos 20 anos, a estratégia dos Estados Unidos era fortalecer o governo e o exército afegão para que o país tivesse como frear os avanços do Talibã. Ainda na gestão Donald Trump, foi assinado um acordo para retirar as tropas americanas de lá. Com a saída norte-americana em 2021, ao contrário do que todos desejavam, o Talibã voltou a dominar o país de forma tão rápida que impressionou a todos.

O Talibã consegue muito dinheiro, oriundos, sobretudo, do tráfico de drogas, de extorsão e cobrança de impostos de fazendeiros de papoula e de doações de fundos de caridade. Somente com venda de entorpecentes arrecadam cerca de R$ 300 milhões. As quantias são usadas, principalmente, para compra de armas e fortalecimento do poder.

O que acontecerá com o Afeganistão com o grupo no controle?

Vale lembrar que o Talibã já ocupou o poder naquele país entre 1996 e 2001, quando foi derrubado pelas forças militares dos Estados Unidos naquele momento pós 11 de setembro. Depois de 20 anos, o país poderá passar novamente por profundas transformações em seu sistema político e, principalmente, na vida de sua sociedade. Com uma metodologia radical de governo, o grupo chega com posições antagônicas do que tem se observado na maioria dos países em pleno século XXI. A preocupação é grande pelo que virá e quais serão os impactos internacionais com essa questão.

O ponto crucial para determinar as ações do grupo está na religião. Eles fazem interpretações dos mandamentos islâmicos e planejam seus atos, que vão desde o tratamento dado às mulheres, até as punições para os crimes que são cometidos contra sua doutrina. Com relação ao sexo feminino, não interessa que elas estudem, pois na visão do Talibã, ganham mais conhecimento e voz, o que vai contra os mandamentos da Sharia. Homossexuais não podem exercer livremente sua sexualidade, podendo, inclusive, serem condenados à morte. Eles são violentos em suas ações, crimes como roubos, por exemplo, são punidos com a amputação.

O que outros países podem fazer para ajudar o Afeganistão?

Atualmente, a preocupação maior é retirar pessoas de lá. Acredito que fazer sanção econômica não vai funcionar, uma vez que China e Rússia, que são duas grandes potências, assim como o Irã, darão suporte ao Talibã. Ou seja, dinheiro não vai faltar para o grupo extremista mesmo que o Ocidente feche as portas. É um problema sério que merece união dos países ocidentais para tentar tirar o Talibã do poder.